Categoria: Filhos do Catalão

Filhos do Catalão

Memórias de um Peregrino – FIM DE JORNADA

No dia seguinte, orei no túmulo do apóstolo e assisti à missa dedicada aos peregrinos. É uma pomposa cerimônia, com um belo sermão e o famoso espetáculo do botafumeiro, enorme incensório, usado para a queima de incenso, prática que, na antiguidade, tinha o objetivo de neutralizar o odor pouco agradável exalado pelos peregrinos... Preso a um cabo pendurado no teto, ele é balançado durante alguns minutos. Mas, hoje, na missa dedicada aos peregrinos, eles são raros, se comparados aos turistas. Recriminei-me, mas não consegui conter o desapontamento. Circulei por Santiago e, às 16h, tomei um ônibus com destino...

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Memórias de um Peregrino – A META ALCANÇADA

Falar da chegada é muito mais que descrever o último trecho da caminhada, em tudo similar às demais etapas na Galícia. Desde que saí de Santa Irene, fui tomado por um entusiasmo fora do comum, uma grande plenitude, uma autoconfiança que me fazia sentir capacidade de mudar não somente a minha vida, mas o próprio mundo. Caminhei firme, alegre, satisfeito. Várias vezes me peguei a cantar ou chorar de alegria. Nem a subida da serra que antecede o aeroporto ou o interminável sobe-e-desce antes do Monte do Gozo, chegaram a abalar-me. Achei-as suaves, não sei se pelo entusiasmo ou se, realmente, não exigiam grande esforço.

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Memórias de um Peregrino – UM SÍMBOLO DO BRASIL

Bem cedo, tomamos o café-da-manhã no próprio albergue e mergulhamos mais uma vez na neblina, com as inevitáveis pausas para Joan fazer seus desenhos. Eu, Joan, Marlies e Stefani seguimos até Palas de Rei, uma cidade de tamanho médio, aonde chegamos por volta de meio-dia. Os demais membros do grupo resolveram almoçar ali, enquanto decidi seguir em frente, pois estava sem fome. Ainda que se possa dizer que a falta de apetite era verdadeira, acho que ela foi provocada mais pelo meu desejo de rever Dolores, uma linda loira espanhola. Tinha cerca de 30 anos de idade, e eu a conhecera em um bar, em...

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Memórias de um Peregrino – OS CATALÃES

Fizemos uma merenda em Portomarín e seguimos em frente. Aliás, a palavra merenda, comum no Brasil até poucas décadas atrás – é mantida em pleno uso pelos espanhóis (“merienda”). É bem mais apropriada que o vocábulo lanche, cujo uso alastrou-se pelo Brasil, copiado da palavra “lunch”, que significa almoço, em inglês. Substituímos a merenda pelo almoço. A uns 5 km adiante, depois de enfrentar um longo trecho em aclive acentuado, na saída de Portomarím, alcançamos Gonzar, um pequenino povoado, onde resolvemos pernoitar. Ali não havia nenhum comércio, à exceção do bar vizinho ao refúgio, que somente servia “bocadillos”. O albergue...

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Memórias de um Peregrino – AS ALEMÃS

Em Barbadelo conheci Marlene, uma jovem integrante de um grupo composto de várias famílias alemãs. Tinha uns 20 anos, linda e loira, mas não falava espanhol, fato que restringiu o nosso diálogo. Impressionou-me a simplicidade e a praticidade dos alemães. Com o albergue lotado, acomodaram-se, tranquilamente, na sala e nos corredores, sem perder o bom-humor. Lá conheci também Marlies, outra bonita loira alemã, de uns 23 anos, que estava só e iniciava ali o seu Caminho. Muito alegre, meiga e simpática, falava espanhol e dizia gostar de caipirinha. Vivia em Barcelona, onde fazia um curso de extensão em arquitetura, já em fase de conclusão. Eu, Joan e ela jantamos juntos, com...

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Memórias de um Peregrino – TIPOS DE PEREGRINOS

Foi na Sierra del Real, montanha próxima ao Cebreiro, a primeira vez que vi peregrinos a cavalo. Passaram esguios e rápidos, orgulhosos de seus animais, demonstrando pouquíssima identificação com os caminhantes. Sequer dispensaram-me um Buen Camino. Claro, isso não significa que fazer a peregrinação a cavalo não seja bom ou válido. Mas é uma experiência peculiar. Somente em Tricastela, já na Galícia, pude conversar um pouco com os peregrinos de botas, que também lá se hospedavam, num grupo de seis cavaleiros. O albergue da localidade dispunha de área de pastagem, própria para recebê-los, particularidade que ainda não conhecera. Esse fato levou-me a crer que eles percorrem rotas distintas das utilizadas pelos...

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Memórias de um Peregrino – ENFRENTANDO O CEBREIRO

Enquanto percorria as trilhas da montanha, surpreso, vi um idoso casal preparando o solo para o cultivo, num platô da serra, com o auxílio de antiquados arados, puxados por bois. Encontrar, na Europa, aquela prática medieval era uma coisa que eu nunca poderia imaginar, não obstante seja ainda comum nas regiões mais pobres do Brasil. Viviam isolados no pequeno pueblo próximo à lavoura, onde parece que o tempo parou, impedindo o seu progresso. Após o platô, descendo a serra por uma encosta com forte declive, a trilha retornou ao vale. Durante a descida, quase fui surpreendido por um grupo de ciclistas que trafegava em disparada...

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Memórias de um Peregrino – SÓ NÃO CONTO PRA MIM MESMO

Ainda na subida da serra, detive-me também sobre os conflitos interpessoais, muitas vezes decorrentes de uma equivocada visão das relações: Se identifico nos outros somente o que também tenho, por que tanto me preocupam os defeitos dos demais? Tenho poucos amigos ou não sou amistoso? Afastam-se de mim ou os espanto? Conspiram contra mim ou sou inseguro? São infiéis ou os marginalizados? Compartilho ou escondo? Isolam-me ou os isolo?

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Festa do Rosário de Catalão – Recordações Fernando Goulart

Vai ser difícil dormir. Durante toda a minha vida me lembro desta madrugada como o anúncio de dias de fé, religiosidade, louvores, suor, caixas roucas gritando por bênçãos à Nossa Santinha do Rosário. Quando criança a insônia era por medo. Sim, eu morria de medo, não dormia ansioso, no aguardo das primeiras batidas dos congos, vindas de longe, minha Catalão ainda pequena e os sons chegavam nítidos dos quatro cantos... Eu tinha verdadeiro pânico, meu coração disparava e eu corria para a cama dos meus pais em busca de abrigo e proteção. A aproximação aumentava o desespero e quando os ternos passavam em frente minha porta meu coração acompanhava o compasso das caixas e parecia que ia explodir a qualquer...

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GLICÉRIO COELHO – UM PEÃO DE BOIADEIRO Por Paulo Hummel Jr

O longo período do tropeirismo, iniciado ainda na época de colônia, é caracterizado pela movimentação de gado e mercadorias por meio de tropas (burros, mulas e cavalos), basicamente para atender a mineração e a expansão da pecuária. Deixou profundas marcas no povo brasileiro e foi nesse cenário que se desenvolveu a figura do peão de boiadeiro, profissional encarregado da condução das boiadas, personagem recorrente em nossa cultura. Em nossa região, em Catalão, a partir de 1918, a ferrovia facilitou um pouco o transporte do gado, mas os ramais ferroviários eram escassos e a maior parte da movimentação dos rebanhos continuou a ser feita pelos peões...