Memórias de um Peregrino – UM GRANDE PEREGRINO

Após descer a Meseta de Mostelares, retornei à planície e, uns 5 km adiante, parei em uma fonte para reabastecer o meu cantil e repousar. Além de alguns pastores, que também davam água a suas ovelhas, lá reencontrei a linda italiana, com o seu namorado, e Joan Bueno, um pintor catalão, de Barcelona, que eu já havia visto algumas vezes pelo Caminho.

Foi a partir daí que conheci melhor Joan, a melhor representação de peregrino que encontrei. Experimente, já havia feito a peregrinação outras 5 vezes, conhecia todas as artimanhas das trilhas. Com mais de 60 anos, embora não aparentasse essa idade, ele demonstrava excelente disposição física. Pele clara, dourada pelo sol, cabelo castanho-claro, com calvície já bem avançada.

Se algo lhe despertava atenção, suspendia a caminhada e desenhava a lápis, o alvo de seu interesse, em um bloco de papel que levava na mochila. Eu o vi fazer isso dezenas de vezes pelo Caminho. Desenhava os lugares e as pessoas, inclusive seus companheiros de viagem. Em El Burgo Ranero, quando eu fazia minhas anotações, na sala do albergue, pediu-me o meu bloco de notas e nele me retratou. Em Portomarím, registrou com seus traços um momento em que eu e Marlies, a alemã, conversávamos, entre outros.

Simples e sábio, sua mochila assemelhava-se mais a uma capanga, de tão pequena. Levava, além do material de desenho, duas bermudas, duas camisas de mangas compridas, de um tecido muito fino, uma camiseta de mangas compridas, de um tecido mais grosso, para se proteger do frio, um boné, material de higiene, um saco de dormir e uma esteira, sobre a qual costumava repousar, quando não conseguia vaga no albergue, ou quando não gostava do colchão. Seu único calçado era um par de sandálias, tipo franciscana, usadas sem meias, com o qual fez todo o caminho, sem problemas nos pés.

Atencioso e falante, cativava a todos. Uma espécie de paizão, capaz de sacrificar-se para auxiliar seus companheiros peregrinos.

Generoso, enviou-me todos os desenhos a mim relacionados, quando lhe pedi um autorretrato, para compor este livro. Além disso, autorizou-me a usá-los nesta publicação. Eternamente grato.

Joan vive em Barcelona e produz uma pintura intuitiva e sensível. Uma tarde, em um pequeno povoado, após cumprir mais uma jornada, andávamos pelas ruas apreciando a arquitetura, quando vimos, nos arredores de pueblo, um curral com algumas vacas. Ele apanhou seu material e passou a desenhar aquela bucólica paisagem. Passados alguns minutos, quando já terminava o seu desenho, feito a lápis, o proprietário do estabelecimento aproximou-se e passou a observar Joan fazer os últimos traços. Concluído o trabalho, o pintor catalão, orgulhoso, mostrou-o ao camponês. Ele, após alguns instantes de apreciação, não vacilou:

– !Qué mal pintas! – disse o homem, em sua simplicidade!

– Não faço fotografias, faço pintura! – falou Joan, em espanhol, um pouco sem jeito.

Rimos muito e fomos procurar algo pra comer.

FOTO: Joan Bueno (autorretrato)

FOTO: As vacas de Joan
(Desenho de Joan Bueno)

FONTE: Extrato do livro Memórias de um Peregrino, de Paulo Hummel Jr

 

 

 

 

 

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