O Eco do Passado – João Hummel

Quando veio para Catalão, meu pai (natural de Lorena-SP) já conhecia minha mãe (nascida em São Paulo-SP), que havia morado em Igarapava, Ribeirão Preto e Jaguará, seguindo a construção Estrada de Ferro Mogiana, para a qual o padrasto de mamãe, José Balduino da Silva, era fornecedor de matéria-prima, refeições e de hospedagem.
Todavia, foi na cidadezinha de Desemboque, às margens do rio Grande, onde José Balduíno estava seguindo a construção da estrada de ferro, que meu pai conheceu minha mãe, ainda muito criança. Papai já era um rapaz maduro, atuando como técnico na formação de cafezais no Estado de São Paulo, o que dava dinheiro naquela época, principalmente em terras roxas. Interessado na bela jovem, ele tratou de estar sempre por perto.
Quando a família de mamãe mudou de Desemboque para Goiandira – GO, naquele tempo um insignificante lugarejo da Comarca de Catalão, acompanhando a estrada de ferro que já adentrava o Estado de Goiás, não tardou que meu pai, já entusiasmado com nossa região, segundo o relato de Tio Neca, cunhado da Vovó Benvinda, deixasse São Paulo e seguisse os passos de minha mãe, pois ela deve ter sido a causa principal dessa mudança de papai para Goiás.
Após o casamento, eles moraram na casa onde posteriormente residiu o Sr. Floriano Braga, ao lado da atual Igreja Cristã Evangélica. Minha mãe lecionava numa escola particular que funcionava no prédio da Casa da dona Dedém (mãe do Marcílio Aires), esquina da, hoje, Praça Getúlio Vargas. Naquele tempo existia ali um curral. Nesta época mamãe estava grávida do primeiro filho.
Meu pai havia montado um comércio de gêneros em geral em sociedade com o padrasto da minha mãe, José Balduíno. A loja ficava num casarão que existia no terreno onde hoje situa-se o prédio dos Fayads, na Avenida 20 de Agosto. Como logo desfizeram a sociedade, papai ficara sozinho no comércio, o que lhe era muito pesado e acabou vendendo a casa comercial, pouco tempo depois.
Então papai comprou do João Patriarca, sogro do Jocelin Pires, uma fazenda de quarenta e três alqueires, com casa de morada, rego d’água, currais e algumas vacas leiteiras. Essa fazenda ficava, mais ou menos, a seis quilômetros da cidade. Mamãe já estava prestes a dar a luz ao seu primeiro filho, o José, quando ela e papai se mudaram para lá. José nasceu em 1911. Dois anos depois, voltaram para a cidade e foram morar na casa que papai comprara na Rua Ipameri, hoje Rua Afonso Paranhos, perto da residência de Jason da Paixão. Em novembro de 1913, nasceu a Maria de Lourdes, mas o José adoecera e como o tratamento, naquela época, era bastante precário, não resistiu e veio a falecer. Mamãe, passados muitos anos, contava das grandes dificuldades que passaram ali. Sendo que a pior de todas foi a morte do José.
Quando José nasceu, papai tentou trazer a tia Cotinha, sua irmã, que havia se formado em São José dos Campos – SP, mas ela só veio para Catalão em 1912, para lecionar na Escola Municipal, onde ficou por quatro anos.
Quando mamãe se recuperou da perda do filho, voltou a lecionar ainda na escola em que já lecionara e que ficava na casa da Dona Dendém, onde era hoje a loja Ricardo Eletro.
Algum tempo depois, com a Lourdes ainda novinha, retornaram à fazenda, pois papai estava enfrentando as mais variadas dificuldades. Mas tia Cotinha, como era professora, ficou morando na casa da dona Maria Amélia e do Sr. Pedro Aires, pai do Pedrinho Aires, que era criança ainda.
Aí a fazenda “pegou fogo”, ou seja, prosperou! Papai comprou mais gado, cavalos e conseguiu contratar um leiteiro que levava 50 litros de leite que eram colocados em duas bruacas de couro, uma de cada lado da sela e na frente ele levava mais 05 litros. Destinavam-se a fornecimento de clientes da cidade. Minha mãe fazia requeijões com a sobra do leite, para os quais tinha freguesia certa na cidade. Todo sábado papai ia a Catalão para vender os requeijões e para comprar os produtos necessários à família.
Os vizinhos mais próximos de nossa casa eram o Sr. José Horácio, que muito ajudou papai no início de sua vida de fazendeiro, e o Sr. Limírio Machado, que viria a ser o avô de minha cunhada Terezinha Pereira Hummel. Isso em 1911 e 1912.
Meu avô paterno, José Augusto, veio de Cachoeira Paulista para passar uma temporada com os meus pais. Nessa época, a família já havia crescido, com o nascimento da Maria Antonieta (Nieta) e da Inácia (Negrinha), sendo que, com a Maria de Lourdes, já eram três crianças para a minha mãe cuidar, além dos afazeres domésticos.
Numa tarde em que a mamãe estava com as crianças, vovô saiu para fazer com que um bezerro recém-nascido aprendesse a mamar e sentiu-se mal. Então ele deixou a labuta com o bezerro e a vaca e voltou para casa. Logo que entrou, caiu, morrendo nos braços de mamãe que, segundo ela, nunca tinha visto um adulto morrer. Assustada, não sabia o que fazer. Então subiu na porteira do curral e com aquele peito sadio, começou a gritar o “seu” Horácio, cuja casa ficava, mais ou menos, a dois quilômetros de distância, o vizinho mais próximo da fazenda. Logo que ouviram os gritos, ele e a família vieram prestar socorro à mamãe. Marciano Baiano foi atrás de papai para avisá-lo do ocorrido e o encontrou de volta, já no meio do caminho. Ao saber da notícia, meu pai saiu em desabalada correria, mas já encontrou meu pai sendo velado por mamãe e pela família do Seu Horácio. Meu avô foi sepultado em Catalão.
Marciano, foi o primeiro colaborador do meu pai, com quem trabalhou por mais de 30 anos.
Lá pelos anos de 1914, papai comprou a Fazenda Mandaguari, região de muita terra de cultura, visto que mais da metade do terreno era de mata virgem. Mandaguari ficava separada de nossa fazenda, pois era cortada pelos trilhos da Estrada de Ferro de Goiás.
Hermenegildo de Freitas foi um dos primeiros colaboradores de papai, vindo da região mineira do Prata, trazendo, além da mulher e de uma filha, os irmãos Neftali e Teodolino, e as irmãs Arminda e Sebastiana. Logo se vê que essa família veio suprir a necessidade de braços para o trabalho nas propriedades de meu pai, onde fizeram duas moradas, sendo uma para o casal e a filha e a outra para os quatro irmãos. Trabalharam muito na formação de cafezais e na lavoura, em roças de “tocos”. Hermenegildo também muito ajudou meu pai, pois era um ótimo carroceiro, além de muito bom nas lidas do curral.
Aos cinco anos comecei a tomar conhecimento das coisas ao meu redor. O Hermenegildo era o carroceiro da fazenda, na qual criou seus sete filhos. O Teodolino continuava na companhia de suas irmãs solteiras e Naftali ajudava meu pai em todos os serviços da fazenda, além da plantação de roças. Ele trabalhava ao lado do Marciano e do Júlio Lopes, na Fazenda Sucupira (também adquirida por meu pai), sendo eles os “pés-de-boi” da fazenda.
Na medida em que a família ia crescendo, também crescia o nome do meu pai, pois ele era trabalhador e a fazenda prosperava. Crescera mais de 60 alqueires, o gado dobrara, a lavoura aumentara bastante (com os meeiros) Foram formados um grande cafezal e os canaviais. Papai trouxera de São Paulo, por via férrea, um engenho de ferro de três moendas. Pela manhã eram moídos os carros de cana para um famoso açúcar mascavo. Ao lado do engenho, papai montou um alambique e apesar de não beber, fabricava uma afamada cachaça!
Mamãe tinha três meninas, a Lourdes, nascida em 1913, a Nieta em 1915, a Negrinha em 1917 e agora chegara a Conceição (Benzinha) em 1919.
No ano de 1921, quando nasceu o Luiz, papai já havia comprado as terras do João Baiano, que tinham as cabeceiras d´água da fazenda. Como o vendedor tinha fama de valentão, ficou regateando no preço e passando susto na nossa família, mostrando armas para papai, que não era homem de andar armado. O João Baiano passava parte do dia atirando com suas armas (várias) na direção da nossa morada que ficava perto das suas terras.
Numa dessas vezes, coincidiu com a vinda do tio Neca que estava indo para o Norte de Goiás, buscar uma boiada. Ao saber do que estava acontecendo, chamou mamãe e disse-lhe que iria por fim nas valentias do vizinho! Cedo montou em seu “Burrão” e foi encontrar o valentão tirando leite. Meu tio chegou perto dele e foi logo perguntando se 20 contos de réis pagavam as terras dele. Como ele já conhecia a fama do tio Neca, a resposta foi afirmativa. Aí meu tio disse que estava com o dinheiro e que iria com o João Hummel para a cidade, onde o esperaria até ao meio-dia, pois estava com sua turma de boiadeiros indo para Formosa e não podia perder tempo. Minha mãe, muitos anos depois, contava o quanto rezara e que fora à cidade com papai e as crianças, a cavalo, juntamente com o tio Neca e 05 peões.
Foi tudo muito rápido! Na volta, tio Neca seguiu com o vendedor para comprar o gado que ele possuía e pediu ao João Baiano que se mudasse no outro dia. Mas, ele mudou naquela mesma tarde, pois tinha uma carroça, puxada por um burro, na qual colocou seus pertences e foi para Catalão onde tinha uma casa. Lá abriu um açougue que tocou por vários anos e, no início da construção de Goiânia, ele foi um dos muitos catalanos que arribaram para lá!
Nesse tempo, papai conseguiu contratar um rapaz chamado José Elias da Silva, de uma família da qual meu pai comprara as terras, uns 20 alqueires. Como o José tinha leitura, logo tomou conta da venda do leite, que era transportado em uma carroça que levava até 150 litros do produto, sendo que a maior parte era entregue à freguesia (com acerto mensal). Ao voltar, primeiro ele apartava as vacas dos bezerros (mais de cem) e só depois é que acertava as contas.
Duas vezes por semana, o José levava um latão de creme, pois meu pai montara uma desnatadeira e fornecia o produto para os “Bichinhos”, fábrica de manteiga do Farid Miguel Safatle. Ele viera do Líbano na década de 20 e montara em Catalão a fábrica de manteiga “Oriente”, além de máquinas para o beneficiamento de arroz e café, pois o município tinha grande produção desses grãos. Essa máquina ficava ao lado dos trilhos da Estrada de Ferro, ao lado do box onde é hoje a feira dominical, e ali o arroz e o café eram embarcados em vagões que ficavam no desvio, ao lado da indústria. A manteiga vinha numa carroça, puxada por cavalo!
Quando começaram a desnatar a sobra do leite, o Cassiano, outro grande empregado do meu pai, foi tomar conta do “Retiro”, uma morada com casa e currais onde meu pai colocou mais de 50 vacas paridas. O Cassiano levava o leite, mais ou menos uns 100 litros, que eram passados na desnatadeira, depois que papai já havia desnatado a sobra do curral, uns 50 litros. Esse creme era levado para a fábrica de manteiga Oriente, duas vezes por semana.
O “Retiro” ficava no local em que, na década de 60, veio passar a Estrada BR-050, com prejuízo nas pastagens para o meu pai!
Em 6 de janeiro de 1924 nasceu o meu irmão Antônio. Nesse ano, quando as Irmãs Agostinianas vieram para Catalão, papai e muitos outros pais de família deram a elas uma ajuda financeira, pois a construção do Colégio representava um grande avanço na educação. Logo que o Colégio Nossa Senhora Mãe de Deus ficou em condições de funcionar, papai colocou as minhas irmãs mais velhas, Lourdes, Antonieta e Ignácia para estudarem com as freiras. Para isso, teve que se mudar para a cidade, mas essa mudança, em 1925, só durou um ano mais ou menos, pois em 1926, a família voltou para a fazenda, deixando a Benzinha também no internato, junto das três irmãs mais velhas. No dia 6 de maio desse mesmo ano, nascia outro filho dos meus pais, o Paulo, que é esta figura que está narrando esses fatos. De todos esses filhos, somente a Lourdes havia nascido na cidade.
Nessa época, a fazenda já havia dobrado de tamanho umas quatro vezes e o José Elias da Silva, o Zé Bilontra, já estava trabalhando como leiteiro do meu pai, levando diariamente o leite para a cidade, negócio que papai exercia desde que comprara a fazenda. Mamãe continuava fazendo os gostosos requeijões que o leiteiro levava para atender as encomendas.
A família do Zé Bilontra, que desde 1926 vinha crescendo na mesma proporção da nossa, morava na casa mais próxima da sede da fazenda onde tinha um pequeno, mas bem formado pomar. Já o da sede era de fazer inveja! Papai trazia todas as mudas diretamente de Campinas-SP, como as de laranja, tangerina, lima, manga, mexerica, pera, uva, pitanga, abacate e também as mudas de uma enorme variedade de flores que alegravam a vida atribulada da minha mãe.
Desde os meus cinco anos, eu vivia encarapitado nas árvores do quintal, dando muito trabalho para minha mãe e para as minhas irmãs mais velhas. Estava sempre me estrepando e levando até queimaduras graves. Até há pouco tempo, com mais de oitenta, subia nas árvores frutíferas, pois adquiri essa habilidade na infância, embora cause muitas preocupações aos meus familiares.
Em 1930, a fazenda já havia atingido 240 alqueires e mais de 500 cabeças de gado, o melhor da região, pois meu pai buscava touros no Estado de São Paulo. Vejam quantas atividades eram desenvolvidas nas terras do Sr João Hummel:
• Engenho para fabricação de açúcar mascavo, rapadura e cachaça;
• Engenho para moagem de milho;
• Fábrica de farinha de mandioca;
• Fruticultura;
• Hortaliça;
• Lavouras de café, cana de açúcar, mandioca, milho, feijão, arroz etc
• Olaria;
• Pecuária de cria e recria e venda de touros e novilhas de qualidade;
• Pecuária de leite, com fabricação de queijo, requeijão, creme e venda avulsa de leite;
• Serraria;
• Suinocultura.

A família crescia cada vez mais. Já haviam nascido o José, em setembro de 1911, a Lourdes, em novembro de 1913, a Nieta, em 24 de maio de 1915, a Negrinha, em 11 de janeiro de 1917, a Benzinha, em 26 de agosto de 1919, o Luiz, em 15 de novembro de 1921, o Antônio, em 06 de janeiro de 1924 e o Paulo (que sou eu) em 1926.
Depois, foi a vez dos nascimentos da Maria Izabel (Bebé), em 02 de julho de 1928, e da Aparecida Wilma, em 27 de maio de 1930.
Em 1930, quando houve a revolução Paulista, grande foi a preocupação dos meus pais, que eram do Estado de São Paulo, pois a família de papai morava na região dos conflitos e vários sobrinhos dele estavam incorporados aos grupos de combates!
Desde que foi residir em Catalão, papai passou a assinar o “Estado de São Paulo” e, quando ele estava residindo na fazenda, o leiteiro levava para ele a correspondência, o jornal e pão. Era tudo transportado em bornais.
Nas férias, as minhas irmãs vinham para a fazenda e sempre traziam com elas algumas colegas e amigas que, por não residirem em Catalão, às vezes, tinham que passar as férias no internato. Era aquela festa! A diversão das amigas era ensinar os filhos pequenos de minha mãe a darem os primeiros passos. Elas, também, junto com as minhas irmãs, ajudavam a mamãe na cozinha e nos afazeres do casarão.
Passado algum tempo, logo que o Luiz completou nove anos de idade, foi estudar na cidade, hospedando-se na casa de um amigo de meu pai. Todas as sextas-feiras, à tarde, ele vinha para a fazenda com o nosso leiteiro, O Zé Bilontra, retornando na segunda-feira bem cedo para a cidade, a tempo de ir para a escola.
Em 1926, quando eu nasci, meus pais estavam morando na fazenda e a vovó Zefa, tia do Orestes, foi a parteira que cuidou da minha mãe.
Anos depois, soube, através das minhas irmãs mais velhas, que eu fui o filho que desde novinho, deu mais trabalho para mamãe e também para elas. Depois virei um moleque levado, tomando, quase todo dia, uma surra de vara de marmelo, que era o que não faltava em nosso quintal e, a cada surra, eles deixavam vergões por muitos dias! Eu que o diga!
Gostava muito de estar no curral, assistindo a ordenha das vacas e tomando um leite quentinho que o leiteiro João Mizael, tio do Orestes, tirava direto na caneca. Que era uma delícia, lá isso é verdade! Também gostava de estar entre os empregados, observando todos os serviços que faziam: machado, enxada, moagem de cana, construção de cercas de arame, o que dava grande preocupação para mamãe.
E assim, ia sendo nossa vida na fazenda. Graças a Deus estávamos tendo uma infância feliz!
Em 13 de maio de 1932, a família cresceu novamente, com o nascimento da Geralda Nelli (Nelli) e, depois, com a vinda da Lenisa Natália (Nena), em 25 de dezembro de 1935, completando então, doze filhos: José (falecido em criança), Lourdes, Antonieta, Ignácia, Conceição, Luiz, Antônio, Paulo, Izabel, Wilma, Nelli, e Lenisa, a caçula da família.
Como um verdadeiro macaco eu subia nas árvores frutíferas e, certa vez, caí de uma laranjeira. Na queda, bati lá em baixo com a popa bem em cima de um estrepe, na raiz da árvore, levando um corte de uns quinze centímetros de tamanho e tão profundo que ia até o osso!
Corri gritando na direção de casa, indo ao encontro de minha mãe que já vinha com a varinha de marmelo na mão, pronta para me dar uma bela surra! Mas, ao ver o corte e aquela sangueira gritou para minhas irmãs, que estavam de férias, para ajudarem a me acudir. Vieram a Lourdes, a Nieta e a Negrinha que me carregaram e colocaram-me sobre um banco grande que ficava na sala e foram “bancar” o médico. Deram-me um banho, desinfetaram com iodo o ferimento e deram uns pontos para fechar a “brecha”. Usaram agulha e linha de carretel para costurar o corte. Foram necessárias as minhas duas irmãs, Lourdes e Negrinha para segurar-me, enquanto a Nieta dava os pontos, mesmo assim, com dificuldades.
Mas, felizmente deram conta do trabalho médico e depois me adularam até que eu dormisse. Quando acordei e fui levantar-me, vi que estava vestido com uma sainha do uniforme da minha irmã e não deixaram que a tirasse, enquanto o corte não estivesse cicatrizado! Andei de saia por uns dez dias! Sarar com os curativos e água oxigenada foi fácil; difícil foi eu voltar a vestir minhas calças. Pena que a lição de nada valeu para o moleque que, às escondidas, vivia nos topos das árvores e até na minha vida adulta muito me valeram essas molecagens.
Mamãe ensinava aos filhos menores as primeiras noções de alfabetização, ali mesmo, na fazenda.
No início de 1936, ganhamos um irmão de criação, o Geraldo José de Freitas, filho do Hermenegildo de Freitas (Demegido) e de dona Zulmira. O Demegido trabalhava e criava os seus numerosos filhos na fazenda de meu pai.
Ao nascer o Geraldo José, o nosso Zé, sua mãe sofreu uma complicação, vindo a falecer. E o Zé, com cinco dias de nascido, foi dado pelo pai à minha irmã Lourdes, que o levou para nossa casa, cuidando dele, amamentado pela minha mãe, que já estava amamentando a Nena, sua filha caçula.
Mas, dois anos depois, a Lourdes veio a se casar com o Orestes Ribeiro e não levou o Zé, deixando-o aos cuidados da mamãe, que o teve como filho por mais de 40 anos!
O nosso irmão Zé é hoje um senhor respeitado, aposentado da polícia Civil e muito querido pelos irmãos que ainda estão vivos. Em muitos momentos difíceis pelos quais passei na minha vida política, tive seu apoio e sua solidariedade.
Há muitos anos ele mora em Goiânia, com sua família, da qual muito se orgulha. Mas, em todas as eleições ele vem depositar seu voto em Catalão, sua terra, dando um grande exemplo àqueles que transferiram os seus títulos. Sou seu irmão e também seu grande admirador.
Em 1936, pela terceira vez, a família voltou a mudar-se para a cidade, a fim de podermos estudar e também para que as minhas irmãs mais velhas, que já estavam formadas, pudessem lecionar.
Assim, papai ficava repartido, pois não podia abandonar a fazenda. Cuidava dos interesses da fazenda, indo para a cidade sempre que podia. A Lourdes, minha irmã mais velha, ficava na companhia de papai, mas quando se casou com o Orestes Ribeiro, a Benzinha a substituiu.
Como papai havia conseguido a criação de uma escola rural pela prefeitura, a Benzinha passou a lecionar para mais de quarenta alunos. As aulas eram ministradas no galpão do engenho de açúcar do meu pai.
O engenho de açúcar de papai era um dos mais antigos engenhos de ferro do município. Meu pai, como já mencionei, montou também um alambique e além de produzir uma das mais famosas aguardentes da região, papai, fabricava também açúcar mascavo.
Assim, por mais de vinte anos, não faltou dinheiro para as despesas da fazenda e da nossa família.
No início de 1937, papai levou, definitivamente, nossa mudança para a cidade, pois o Luiz, o Antônio, eu e a Bebé, a Wilma e a Nelly estávamos passando do tempo de levar a vida mais a sério, entrando para uma escola, embora todos nós já tivéssemos um bom começo, com as aulas dadas pelas nossas irmãs, lá na fazenda. Porém seria necessário nos matricular em escolas credenciadas.
A Nieta, já formada, lecionava em sua própria escola, com mais de cinquenta alunos. Papai mandara construir, ao lado da nossa casa, um cômodo próprio para a Escola onde ficamos estudando até o final de 1937.
No ano seguinte, o Luiz foi estudar no Ginásio Solimões, em Catalão e nós, os outros irmãos, fomos para ao Externato Santana da Dona Iaiá.
Aos sábados, papai vinha dormir em casa, na cidade, e eu e o Antônio pulávamos nos cavalos e íamos matar a saudade da fazenda, onde um morador ficava tomando conta da casa. E as nossas molecagens ficaram célebres naqueles anos que antecederam nossa ida para o colégio de Bonfim, onde o Luiz estudava já havia dois anos.
Eu e o Antônio fomos estudar no Ginásio Anchieta, dos padres salesianos e a Benzinha, a Isabel, a Wilma e a Nelli foram estudar, também internas, no colégio das Madres Salesianas. Ambos os educandários, famosos até hoje, estão lá e com melhorias!

 

FONTE: Capítulo do livro O Eco do Passado, de autoria de Paulo Hummel

 

 

 

 

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