Autor de Escrava Isaura foi Juiz em Catalão

Tendo chegado a Catalão em 1852, Bernardo Guimarães o autor de Escrava Isaura, retornou ao Rio de Janeiro em 1854 voltando posteriormente, sendo empossado no dia 10 de maio de 1861 como o terceiro Juiz de direito de Catalão. Por forças das circunstâncias, Bernardo Guimarães exerceu também o cargo de Delegado Municipal. Segundo Cornélio Ramos, assim que tomou posse no cargo de Juiz de Direito, “revoltado ante o desumano tratamento dado aos presidiários, não hesitou em convocar um “Juri Sumário”, libertando a seguir todos os presos” um fato que lhe causaria posteriormente um sério conflito com os seus superiores, mas que foi contornado, com o autor de Escrava Isaura tendo atuado como seu próprio advogado de defesa. 

Bernardo Guimarães tornou-se logo amigo das figuras influentes das letras locais, entre eles o padre Luiz Antônio da Costa, o senador Antônio da Silva Paranhos e o poeta Roque Alves de Azevedo (Roquinho), junto com quem foi o introdutor das românticas serenatas em Catalão. Bernardo era ainda um bom nadador nos seus tempos de solteiro, e estivesse o Rio Paranaíba calmo ou revolto atravessava-o a nado para participar de pagodes roceiros do lado de Minas Gerais, onde afirmam teria ele uma namorada por quem se encontrava apaixonado. 

BERNARDO GUIMARÃES, UM JUIZ EM CATALÃO

por Cornélio Ramos 

Aquele antigo solar localizado na esquina da Av. Vinte de Agosto com a Rua Bernardo Guimarães e que tem o n° 1182, foi outrora a residência de intelectuais ilustres como Luiz Nicolau Fagundes Varela e Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, isto no tempo em que mandava no Brasil o imperador D. Pedro ll.

O autor de ESCRAVA ISAURA veio para Catalão em 1852, logo após sua formatura em Direito, trazido pelo Senador Antônio Paranhos. Em 1854 regressou ao Rio de Janeiro. Catalão nesse tempo era ainda uma obscura Vila, com sua elevação a categoria de cidade em 1859, abriu nova oportunidade para a volta do escritor a nossa lendária comunidade, desta vez já como nosso terceiro Juiz de Direito (Juiz Municipal) empossado no cargo no dia 10 de maio de 1861.

Magistrado generoso e humano, logo de início comoveu-se ante o estado deplorável em que achavam-se numerosos presos, pessimamente obrigados num velho presídio em precárias condições.

Revoltado ante ao desumano tratamento dado aos presidiários, não hesitou em convocar um “juri sumário”, libertando a seguir todos os presos, fato que o levou a conflitos com os seus superiores e mais tarde serviu de pretexto para que fosse processado por seus adversários, que por motivos políticos haviam muitos que ainda se valeram de seu comportamento imoderado, do seu temperamento boêmio, do seu convívio social sem preconceitos, sem jactância, para denunciá-lo como incurso em vários artigos do código criminal e outras leis do tempo do Império.

Em sua defesa feita de próprio punho, revelou o poeta seu temperamento romântico e sentimental, seu caráter profundamente humano, sem contudo vacilar. Destruiu com firmeza todas as acusações que sobre si pesavam, concluindo por arrasar seu principal acusador, o então Juiz de Direito local, Dr. Virgínio Henrique da Costa, politiqueiro e vingativo e ainda apoiado pelo presidente da província, Dr. José Martins Pereira de Alencastro.

Bernardo Guimarães que concluiu sua defesa com uma exposição mais literária do que jurídica, dando vazão ao seu temperamento assim se expressou:

“O denunciante, não contente de esmerilhar a vida pública de um juiz e lançar mãos de quanta futilidade encontrou para vexá-lo com acusações infundadas e irrisórias, ainda vai com mão profana sondar sua vida particular, esquadrinhar qualquer pequena fraqueza, inclinar o ouvido talvez aos vis mexericos da maledicência e lançar mão da difamação perante os tribunais para ver se assim consegue de todo esmagá-lo! Mísero expediente e só digno de almas ignóbeis…”.

E como para justificar, Bernardo Guimarães conclui assim sua defesa:

“O respondente não se inculcará, por certo, como modelo de sobriedade e de regularidade de conduta: solteiro e ainda não tendo chegado ao inverno da vida, ainda não se resignou a viver como cenobita, nem renunciou aos prazeres do mundo, folga de se envolver na alegria dos festins, ama os prazeres da música e o vinho, a dança e as mulheres; a música e toda a espécie de regozijos soem suavizar as amarguras desta vida ingrata e árida. Mas ninguém provará que prorrompesse em excessos escandalosos, nem que corresse após os prazeres e festins em menoscabo do desempenho consciencioso de seus deveres. Se o respondente é inclinado aos prazeres é porque, é homem, e acha-se sujeito a uma das condições da humanidade, que sofre bem poucas exceções; o próprio denunciante senão algum anacoreta, o que não é de crer, não estará sujeito a essas pequenas fraquezas da humanidade?”

– O romancista foi absolvido no dia 23 de junho de 1862, pelo juiz substituto Manoel Pereira Cerqueira.

Esse processo levou o nome de Catalão aos quatro cantos do país, pois Bernardo Guimarães, no seu ardor panfletário, continuou a mandar para a “ATUALIDADE” (órgão de grande circulação no Rio de Janeiro e redigido por seu amigo Flávio Farnese) os seus escritos contundentes, denunciando as inúmeras arbitrariedades praticadas pelos seus adversários; artigos que, pelo seu valor literário e interesse político, foram transcritos em outros jornais e chegaram mesmo a sensibilizar o governo do Império. RESULTADO: O governador da província foi destituído do seu cargo e o juiz acusador foi impedido de chegar ao almejado cargo de desembargador que tanto ambicionava.

Fora de sua delicada vocação literária, não foi Bernardo Guimarães bem sucedido nos cargos de DELEGADO DE POLÍCIA e Juiz de Direito, cargos que por força das circunstâncias exerceu em nossa terra.

Na época em que José de Alencar cursava a Academia de Direito em São Paulo, Bernardo Guimarães, estudante, pouco amigo dos compêndios e dado às pândegas, as bebedeiras e as farras, procurava também obter seu diploma de “doutor”. Contemporâneo e companheiro de esbórnias de Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa, viria mais tarde a transformar-se num dos mais populares romancistas brasileiros. Poucos como ele, conseguiram exprimir com tanta doçura a melancolia de um crepúsculo ou de uma noite de luar na solidão dos Campos. Deixou uma obra que assinala um marco na evolução do romance brasileiro. Descreveu com grande ternura as paisagens de nossa terra. Os campos, os rios, as matas, numa comovedora comunhão com a natureza. Mas, não ficou apenas no panteísmo, comoveu-se também diante da alma humana. Colocou nas suas inesquecíveis páginas, de linguagem simples, o nosso homem do interior. Os fazendeiros, os mineradores, os trabalhadores da terra que tanto amou. Foi um precursor do naturalismo, cultivou a tradição da província natal, explorou com sabedoria nosso rico folclore. Deu-nos o romance rural.

Foi um contador de histórias românticas desenroladas principalmente no interior das províncias de Minas e de Goiás, por onde andou em suas perambulações de boêmio inveterado. As lendas e tradições do esquecido rincão sertanejo, foram as principais fontes de inspiração para seus numerosos livros. O indianismo forneceu-lhe os temas e os personagens para o “Ermitão do Muquém” e para o “Índio Afonso”. Ao romance histórico se filiam “Maurício” e “O Bandido do Rio das Mortes”. As recordações da boêmia acadêmica em São Paulo, aparecem em “Rosaura”. O tema do celibato clerical, em voga na época, assim como nos dias de hoje, ficou indelevelmente registrado no “O Seminarista”. Mas o principal título de mérito de Bernardo, no terreno de ficção, seria o de mostrar a afronta vergonhosa do cativeiro num bem urdido romance: “A ESCRAVA ISAURA”, traduzindo as misérias de uma instituição monstruosa!… A primeira edição desse romance foi lançada no Rio de Janeiro, há precisamente um século, no entanto continua como sucesso de livraria, sucesso no teatro,  no cinema e presentemente numa bem montada telenovela da Rede Globo, que vem alcançando extraordinário êxito.

Conta Mons. Primo Vieira que de uma feita, o então delegado de Polícia acenou para um caipira que passava no seu “rosilho”, para lhe dirigir algumas palavras. O homenzinho receoso da justiça quis trocar o seu cavalo e só a custo o Dr. Bernardo conseguiu detê-lo. E o motivo do assédio era apenas pilhar uns goles de boa pinga que o matuto trazia num guampo de chifre à cabeça do arreio.

Lembram ainda os mais velhos, que ele vivia amancebado com uma mestiça, que ele próprio apelidara de “jequitirana bóia” e o acompanhava no uso imoderado da bebida.

Era Bernardo Guimarães um bom nadador em seus tempos de solteiro, Juiz de Direito em Catalão, na fronteira de Minas com Goiás, estivesse o Rio Paranaíba calmo ou revolto, atravessava-o a nado para participar de “pagodes” roceiros do lado de Minas Gerais, onde afirmam teria ele uma namorada que o trazia apaixonado…

O romancista não tinha preconceito social, com a mesma facilidade com que relacionava com pessoas respeitosas, misturava-se e convivia com toda espécie de gente. Boêmios, bêbados, pobres, roceiros injustiçados e sofridos, jagunços perigosos e mulheres da vida. Talvez para melhor conhecer a alma humana. Certa vez passou um mês inteiro nas margens do Rio Paranaíba, pescando, caçando e bebendo cachaça ao lado do famoso sicário João Afonso e seus comparsas. Ouvindo suas aventuras, anotando suas histórias e narrativas de seus crimes, após o que voltou-se para o temido aventureiro e exclamou:

– Afonso, tu não és um criminoso, és um herói!…

Desse colóquio nascia mais um livro: O ÍNDIO AFONSO, cujo cenário passaria no município de Catalão e em repetidas edições levou o nome de nossa cidade a todos os recantos do Brasil.

Outro livro notável do insigne romancista, no qual foi usado para o cenário o Estado de Goiás, é o ERMITÃO DO MUQUÉM, de temática indianista como o anterior e cujo principal personagem de nome Gonçalo, é tido como o fundador da romaria do Muquém.

É em Bernardo Guimarães que se encontrava o germe do regionalismo em nossa literatura. Nele se encontram as originais do gênero entre nós. Ponto de partida de uma modalidade literária que evoluiria do simplismo bucólico até seu atual e complicado feitio, quando os problemas políticos e sociais tomaram conta dos temas regionais.

Ricardo Paranhos em seus escritos informa-nos que Bernardo era um bom músico e excelente poeta. O instrumento de sua preferência era o violão. Chegava as vezes em suas repetidas serestas a executar belíssimos números musicais compostos de improviso, números que não conseguia recompor posteriormente, por não guardar na memória letra e música ao mesmo tempo.

Boêmio incorrigível, acompanhado sempre por amigos, pessoas de destaque nos meios culturais da cidade, entre os quais o padre Luiz Antônio da Costa, o Senador Antônio da Silva Paranhos e o poeta Roque Alves de Azevedo (Roquinho).

Roquinho e Bernardo Guimarães foram os introdutores das românticas serenatas em Catalão.

Segundo Prestes Paranhos “Catalão ouviu as suas primeiras serestas executadas por Bernardo e Roquinho, os quais adentravam a noite catalana, versejando ilusões desfeitas, amores impossíveis, romances destruídos. Quanto coração chorou a saudade do passado, na música rimada, nos acordes sonoros das serestas e no estro poético de Bernardo e Roquinho?!…”.

Mais moderado, já em 1867 contraía núpcias com D. Tereza Guimarães, senhora portadora de apreciável educação e que muito o incentivou na sua volumosa produção literária e com a qual obteve vários filhos. Faleceu no dia 10 de março de 1884, com 59 anos de idade, na mesma casa onde nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais. É patrono da Cadeira n° 5 da Academia Brasileira de Letras.

Poucos do lugar, entretanto, têm conhecimento de que aqui viveu um dos nossos mais festejados romancistas, uma verdadeira glória nacional. 

Um pedaço de rua lembra ainda a geração presente, a passagem do escritor por nossa terra, todavia, justo que seria que seu nome figurasse em toda a extensão da rua, isto é: da Estrada de Ferro ao Ginásio João Neto de Campos, e, que as placas com o nome do romancista tivessem as letras douradas, para nossa maior verdade, cônscios que somos de nossa tradição e de nossa cultura.

 

FONTE: Jornal A Voz do Sudeste – ANO I– Nº 4 – Organização José Cândido – Catalão, Dezembro de 1976 – Página 7. 

FOTOS:  Jornal A Voz do Sudeste,

 

 

 

 

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