Recordações da Academia Catalana de Letras – Inimigos políticos resolviam suas divergências na bala

Houve um tempo, em Catalão, que os inimigos políticos eram vizinhos e resolviam suas divergências na bala. Moravam quase de frente um para o outro e quando estourava um conflito armado a luta se dava a partir de suas próprias residências.

Foi o que aconteceu, no centro da cidade, em 1892 e 1897.

Os atores principais residiam na Rua do Comércio, hoje Avenida 20 de Agosto. O senador Antonio Paranhos morava em um sobrado bem na esquina com a praça central, o coronel José Maria da Silva Ayres tinha residência quase de frente e o capitão Carlos Antonio de Andrade residia no casarão ao lado da Farmácia Felicidade, separado apenas por um beco que dava no córrego Pirapitinga. O casarão ficava bem de frente à casa em que morou o juiz e escritor Bernardo Guimarães.

O beco, ao lado do casarão, era uma via tortuosa, frequentada por ex-escravos que dançavam batuque à noite, debaixo de enormes gameleiras na beirada do Pirapitinga. Depois de atravessar uma pinguela sobre o córrego, a passagem continuava ladeira acima num arremedo de rua, enfeitada com toupeiras de mandacaru, conhecida como rua dos Pretos, que se prolongava até alcançar a rua da Capoeira.

No início, os políticos catalanos era todos amigos. O senador Paranhos tinha uma casa comercial no térreo do sobrado e era, há mais de trinta anos, o líder político do município. O coronel José Maria Ayres, também de família tradicional, era fazendeiro conhecido e popular, apelidado de José Tabaco pela quantidade de rapé que consumia. O capitão Carlos de Andrade, militar que veio para Catalão após a Guerra do Paraguai, instalou no seu casarão um armazém de secos e molhados, além de tocar um moinho que construiu à beira do Pirapitinga.
As divergências políticas começaram depois da proclamação da República. Com o novo cenário, as famílias catalanas se dividiram e o capitão Andrade ficou do lado do coronel José da Silva Ayres, que se tornara ferrenho adversário do senador.

Depois de algumas acusações de tentativas de homicídio, as famílias passaram a se odiar. Até que, em 1892, aconteceu um cerrado tiroteio contra o sobrado da família Paranhos, num cerco que durou mais de 24 horas. O padre Luiz Antonio da Costa intermediou uma trégua e o senador se retirou da cidade com sua família por um tempo. Na contenda morreu um jagunço.

Em 1897, porém, o senador Paranhos, ao passar na porta do casarão do capitão Carlos foi abatido a tiros pelo jagunço Elizeu da Cunha e seu parceiro conhecido como Negrão. O capitão alegou, mais tarde, que estava no fundo do quintal conversando com seu filho, e que não participara da tocaia.

Tudo ocorreu na porta do casarão na tarde do dia 30 de novembro de 1897. Antonio Paranhos havia comparecido a um tribunal do júri no prédio da cadeia municipal e, na volta, juntamente com amigos e familiares, resolveu passar pela Rua do Comércio. Quando cruzou pela Farmácia Felicidade, um mulato sentado na escada da frente do casarão o cumprimentou: “Boa tarde, senador”.

Era a senha. As janelas da frente do casarão se abriram e uma saraivada de tiros abateram o velho político. Seu neto, Alfredo Paranhos, recebeu tiros na perna e se arrastou até a Farmácia Felicidade. O restante do grupo saiu em correria deixando guarda-chuvas, bengalas e chapéus espalhados pela rua. O velho Paranhos sentou-se ao chão e nova descarga prostou-o sem vida.

O senador permanecia estendido na poeira da rua. Ninguém se atrevia a ir buscá-lo. O tiroteio entre o sobrado dos Paranhos e o casarão do capitão Carlos não tinha interrupção. Num gesto de desespero, duas filhas do senador saíram à rua e arrastaram o corpo do pai até o sobrado. Por sorte ou sentimento de piedade, não atiraram nas duas mulheres.

O tiroteio durou dias e noites. Um rapazinho de 14 anos abriu uma janela do sobrado e espiou o casarão do capitão. Foi a última coisa que viu. Uma descarga o derrubou com um tiro certeiro na testa.

Na madrugada da segunda noite, membros da família do senador pulou os muros do quintal do sobrado e conduziu numa rede o corpo do velho até o cemitério.

Na terceira noite, debaixo de um temporal, os ocupantes do casarão fugiram pelo córrego Pirapitinga valendo-se da rua dos Pretos.

Mas, a história não terminou aí. Continuou com a longa captura, o doloroso martírio e o assassinato do capitão Carlos de Andrade, semanas depois, na cadeia de Catalão.

Luís Estevam

 

 

 

 

 

 

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