Memórias do Arraial: Santo Antônio do Rio Verde – Distrito de Pilões: Território Goiano

Quando se fala de limites territoriais, temos que elencar uma série de fatores que influenciaram as delimitações de estados e cidades no Brasil, algo complexo que neste texto não é a principal intenção.

De início, o Brasil foi “invadido” pelos portugueses em 1500, sendo colonizado a partir do seu litoral; com o aumento populacional, iniciou-se as divisões por capitanias e o território atual de Goiás pertencia à outras Capitanias até ser a Capitania de Goiás em 1748: Capitania de São Vicente (1534), Capitania de São Paulo e Minas de Ouro (1709), Capitania de São Paulo (1720). Quando tentamos falar de limites territoriais do Distrito de Santo Antônio do Rio Verde, só faz sentindo a partir da criação da província, mesmo entendendo que neste período provavelmente havia poucos povos originários vivendo por aqui, pois o povoado do Distrito só começaria existir a partir da década de 1820 ou 1830, como parada de tropeiros e boiadeiros.

Com a criação da Capitania de Goiás e o adentramento dos Bandeirantes no sertão de Goiás buscando minas de ouro, o Arraial Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Santa Cruz (Santa Cruz de Goiás), foi fundando em 1729, após a descoberta de ouro naquele local, sendo o primeiro povoado a prosperar no sudeste goiano. Santa Cruz de Goiás passou a ter jurisdição de um grande território, incluindo o de Santo Antônio do Rio Verde, que naquele momento ainda não possuía povoado e nem recebia tal nomeação. Podemos observar a narrativa de jurisdição conforme escrito no livro “No Sertão de São Marcos: Desenvolvimento Histórico do Município de Campo Alegre de Goiás”:

 

Como visto, Santa Cruz, Arraial fundado em 1729 pelo bandeirante Manoel Dias da Silva, após a descoberta de ouro no local em que se desenvolveria a povoação, dentro de alguns anos depois de sua criação, viria a abranger e ter jurisdição sobre toda a região Sul de Goiás, Triângulo Mineiro e indo até as margens do Rio Grande na divisa com São Paulo. (Leandro; Vaz, 2022, p. 21)

 

O marco inicial do povoamento de Catalão ocorreu em 1722 com a passagem dos Bandeirantes que ali deixaram instalado um cidadão da Catalunha (catalão) dando origem ao Sítio do Catalão, permanecendo assim de 1722 até 1819, tonando-se Vila do Catalão em 1833, desmembrando-se de Santa Cruz de Goiás, momento em que Santo Antônio do Rio Verde começa a ser mencionado em escritos como território pertencente a Catalão. Entretanto, Santo Antônio do Rio Verde foi oficialmente reconhecido como Distrito de Catalão em 1844, mas é possível encontrar menções ao local antes mesmo da sua “oficialização”, conforme os fatos a seguir:

 

12/05/1751: O Governador da Capitania de Goiás, Conde dos Arcos, passou uma carta, em que passava uma autorização a Bernardo Antônio Delgado para explorar os Rios Batalha e São Marcos à procura de ouro. (Leandro; Vaz, 2022, p. 27)

 

27/11/1801: Francisco Cardoso da Silva, morador em Rio Verde, da Chapada de São Marcos, faz uma solicitação ao Juiz pedâneo da mesma chapada, Thomé Nunes Franco. A solicitação é assinada por Ignácio Cardoso da Silva. (Leandro; Vaz, 2022, p. 32-33)

 

23/04/1823: O Juiz de direito de Santa Cruz, Contrano Teixeira de San Payo, julga a divisão da Fazenda Batalha dos Nunes, Distrito de Santo Antônio do Rio Verde, Município de Catalão. (Vaz, 2009, p.348)

 

14/02/1837: É registrado o batismo de Francisco da Silveira Machado, em Santo Antônio do Rio Verde, na Capela de Santo Antônio dos Martírios.

 

01/05/1840: D. José de Assis Mascarenhas, presidente da província de Goiás, baixou instrução sobre a distribuição dos 504 guardas nacionais da Vila do Catalão, incluindo duas companhias, a 4ª e 5ª, de Santo Antônio do Rio Verde:

O presidente da Província, em virtude do art. 2º da Lei provincial nº 2, de 27 de julho de 1837, há por bem promover a Oficias do Estado maior, Capitães e subalternos do referido Batalhão os cidadão constantes da relação que com esta vai assinada pelo Secretário do Governo. (…) Palácio do Governo de Goiás, 1º de maio de 1840. (Chaud, 2000, p.58)

 

         O território de Goiás passou por várias modificações, no entanto, uma envolveu o Distrito de Santo Antônio do Rio Verde. Após ter anexado o Triângulo Mineiro ao seu território em 1816, a Capitania de Minas Gerais alegava que o território compreendido entre o Rio São Marcos e as Serras dos Pilões e Andrequicé era de seu direito pelo menos desde 1800 em virtude do auto de 15 de outubro de 1800 autorizado pela provisão régia de 25 de abril de 1799.
É possível ver no mapa seguinte, de 1849, que a faixa do território mencionado, era até mesmo representado sendo de Minas Gerais:

Margem esquerda do Rio São Marcos representada como território de Minas Gerais em mapa de 1849.

Fonte: https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/44581 

 

Por parte de Goiás, o território só foi contestado em 1838, momento em que a Câmara Municipal de Paracatu, município mineiro, discutia a posse do território. O interesse foi tão grande que, posteriormente foi criado o Distrito de Pilões por parte de Minas Gerais em 1882, com as seguintes divisas: Começando no Porto Faustino Lemes, à esquerda do Rio São Marcos, e seguindo por este até a sua foz no Rio Paranaíba, pelo curso deste acima até a barra do Ribeirão Jacaré; dali às cabeceiras; destas em rumo direito às aguas vertentes do Paracatu, até o lugar denominado Curral, em linha reta ao São Marcos. O território em questão coincidia com o território de Santo Antônio do Rio Verde; a lei foi contestada pela Câmara Municipal de Catalão e posteriormente considerada sem efeito.

 

26/10/1882: É criada a lei de criação do Distrito de Pilões por parte de Minas Gerais, no entanto, as divisas do dito distrito, seriam as mesmas do Distrito de Santo Antônio do Rio Verde. (Correio Official de Goyaz, 1884)

 

O real propósito de Minas Gerais não era gerar benefícios e desenvolver o local, mas se desviar e aproveitar dos possíveis encargos fiscais na região, assim como fez com o Triângulo Mineiro, outrora pertencente a Goiás.

Na imagem abaixo é possível ver a zona de litígio: margem esquerda do Rio São Marcos, barra dos Arrependidos (parte superior da imagem), Rio Paranaíba e Ribeirão Jacaré (parte inferior da imagem).

Recorte Mapa de Raimundo José da Cunha Matos, de 1836

Fonte: https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/437940

 

O território em disputa não representava muito tanto para Goiás quanto para Minas Gerais, o interesse intensificou-se após a criação de diversos postos fiscais, principalmente o de Santo Antônio do Rio Verde que gerava bons lucros aos cofres do governo.

A forte influência da cidade mineira de Paracatu, que cobrava impostos mais baixos do que Goiás, e o descaso de Catalão com o Distrito Santo Antônio do Rio Verde, colaboraram para que o litígio perdurasse por várias décadas.

No recorte do mapa, na parte destacada pela seta, território que esteve em litígio entre Goiás e Minas Gerais.

Fonte: Boletim Goiano de Geografia – 1983

 

 

O Semanário Official (GO) de 1907 abordou o assunto, dando o seu parecer:

 

E quanto a linha goyana-mineira pela Serra do André-quiçé em vez de pelo thalweg de S. Marcos, não há talvez um só geographo, quer nacional, quer extrangeiro que não tenha consignado em seus trabalhos sellados com o cunho de sua indiscutível competência. E, quando para firmar o nosso direito não bastasse o districto de Santo Antônio do Rio Verde e os seus numerosos postos fiscaes estabelecidos a quase um século na zona só agora reclamada por Minas Geraes, ahi estão a Provisão do Conselho Ultramarino, de 9 de Março de 1748, que creou a Capitania de Goyas e o alvará de 17 de Maio de 1815, que creou a comarca de Paracatú, para fazer desaparecer qualquer resquício de dúvidas sobre a pretensão daqueles que querem levar até a margem esquerda do São Marcos as balisas do território mineiro.

 

O litígio foi arrastado por Minais Gerais até que Epitácio Pessoa, então Presidente da República (1919-1922), confirmasse, utilizando-se de grandes figuras da intelectualidade histórica, geográfica e diplomática brasileira, Rio Branco, Cândido Mendes, e estrangeira, Castelneau, Pohl, que a região pretendida por Minas Gerais sempre foi goiana, no entanto não foi o fim da questão, já que houve modificações depois do veredito dado:

 

…hoje os limites entre os dois estados não passam de uma caricatura dos que foram preestabelecidos no 6º Congresso de Geografia e arbitrados por Epitácio Pessoa. Naquelas ocasiões ficou estabelecido que o território entre o ribeirão Jacaré, as serras Andrequicé, Araras e Pilões e os rios Verde e São Marcos (em parte) deveria ser goiano. Ali, hoje, tudo pertence a Minas Gerais, pois uma comissão mista, constituída em 1939 para tratar em definitivo do assunto, concordou que os limites entre Goiás e Minas Gerais passavam, “salvo pequenas modificações”, pela Serra Geral de Goiás (ponta sul), ribeirões Bonito, Bezerra e Arrependidos e rios São Marcos (em parte), Verde e Paranaíba (cf. Parecer da Comissão In: Correio Oficial, 1940). E assim, “salvo pequenas modificações”, está até hoje. (Neto, 2003)

 

Ao final, Goiás acabou cedendo praticamente a metade do território inicialmente em litígio, dando a impressão, conforme Neto (2003), “de que, para Goiás, aquele pequeno pedaço de chão não impressionava e nada significava para a economia do estado”. A região “perdida” por Goiás, prosperou, tornando-se um celeiro de grãos.

Em 1940 o jornal O Triângulo noticiou o fim do imbróglio:

O Triângulo – 1940

Fonte: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital

 

* Título do livro em construção; publicação prevista para 2026.

 

Alexandre Carlos (2025)

 

            Alexandre Carlos da Silva Teixeira é professor Mestre em Matemática, com Graduação em Matemática e Pedagogia, Especialista em Psicopedagogia e Educação Infantil, natural de Ouvidor-GO, reside em Santo Antônio do Rio Verde desde 2005, data em que começou a sua jornada na educação. Em sua carreira docente, além de professor, foi Secretário e Gestor. Fixando residência em Santo Antônio do Rio Verde, constituiu família e um grande vínculo com a comunidade local, sendo educador e líder religioso. Casado, com dois filhos, procura se ater no presente não esquecendo do passado, momentos que servem de inspirações para escrever Crônicas e Poemas.

Em 2023 lançou o livro “Memórias do Passado: Santo Antônio do Rio Verde” sendo coautor e coordenador deste projeto com o objetivo de relembrar as memórias de quase dois séculos do distrito onde reside. Já em 2024, participou do projeto da Academia Catalana de Letras sendo coautor do livro “Catalão: Livro da Comunidade”; no mesmo ano publicou outro livro de crônicas intitulado: “Memórias de um Sonhador” com o objetivo de recordar pequenas histórias vivenciadas em sua infância, adolescência e vida adulta; em 2025 publicou o livro: “Poemas: Vivendo, Sofrendo e Aprendendo”. Participou de antologias poéticas: Pequeno Semear: Antologia de Poeminhas (2024); Por Toda Poesia (2024); Antologia Poética (2024); Irmãos das Letras (2024); Versos Diversos (2025).

No momento, escreve poemas, crônicas e textos sobre a história do Distrito de Santo Antônio do Rio Verde, divulgando o seu trabalho nas redes sociais, almejando no futuro lançar mais outros livros. 

 

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