A Última Pescaria – Por Paulo Hummel Jr

Era uma manhã de sábado, como muitas outras, quando parou um carro na porta da nossa casa, que passou a ser seguido por eu e meu pai, em nossa caminhonete. No outro carro estavam o Vavá (Honorival Macêdo, da Oficina Macedo, marido da Helena Salles), Heber Campos (odontólogo) e o Lauriston Carneiro de Castro (do cartório, meu tio), companheiros frequentes em pescarias de finais de semana, nos rios da região.
Daquela vez o destino era as barrancas do rio São Marcos, na altura do Porto dos Carapinas, área hoje inundada pela represa da Serra do Facão. Eu tinha 13 anos e era companheiro quase inseparável do meu pai nos passeios e nas viagens, sempre que as responsabilidades escolares o permitiam.
Montada a barraca do acampamento, alguns foram jogar os anzóis no rio, enquanto o Paulo Hummel, o mestre-cuca da turma, preparava o almoço. Apanhei lenha para o fogo, consegui algumas minhocas num terreno mais úmido próximo, joguei um anzol na água e fiquei apreciando a beleza da paisagem.
O Vavá e o Heber, ao conferirem a ceva, constataram que havia tempos ela não era reabastecida com espigas de milho, utilizadas para atrair os peixes. Falha do caseiro da fazenda, contratado para isso, o que os deixou mal-humorados, justificando a ausência de fisgadas nas varas, o que foi a rotina naquela pescaria. Mas uma das carretilhas fisgou um lindo e grande Dourado, no início da manhã seguinte, visto perfeitamente enquanto se debatia, pulando fora da água, tentando se livrar do anzol, o que acabou conseguindo, para a decepção da turma. O episódio animou os pescadores a aumentarem o número de varas e a conferirem as iscas.
Ninguém escapava das brincadeiras do Vavá e do Heber, os mais divertidos, contadores de casos. Nas pescarias em que os carros ficavam distantes do ponto de acampamento, gostavam de se adiantarem dos demais, na chegada, para amarrarem ramos de vassouras existentes junto das trilhas, provocando tropeções e tombos nos retardatários, das quais fui vítima em algumas ocasiões. Gargalhavam do malfeito. Mas dessa vez os carros chegaram até a beira do rio…
Uma pescaria como tantas outras, feita por lazer e buscando maior sintonia com a natureza, recreação típica em nossa região, rica em rios e lagos, estes de existência mais recente. Mas novos tempos se aproximavam e eu sequer imaginava que essa seria a última pescaria com aquela turma.
A rotina começou a se alterar na manhã do domingo, quando o caseiro da fazenda veio ao acampamento buscar um troco pelos malprestados serviços. Recebido o dinheiro e ouvida a reclamação, plantou a notícia de que tropas militares estavam se rebelando contra o Presidente João Goulart. Compenetrados em nosso lazer, nem rádio estávamos ligando, o que mudou a partir daquele momento. Volta e meia alguém ligava os rádios dos carros para se atualizar com o noticiario, cada vez mais radical. Direitistas e esquerdistas brandindo seus discursos de ódio, enquanto tropas se posicionavam e a imprensa manipulava as informações. Um país dividido, com a faca nos dentes.
Essa notícia acabou por precipitar o nosso retorno a Catalão, feito logo após o almoço preparado pelo PH, que serviu ao molho os poucos piaus obtidos na pescaria.
Dias depois João Goulart renunciaria ao cargo de Presidente da República e o país entraria em mais um longo período de ditadura. Chegara em nossas portas os ventos da guerra fria entre as grandes potências e a redemocratização de 1945 chegava ao fim.
Depois de ser preso e libertado 3 vezes pelo Exército, Paulo Hummel, por ser Vice, assumiria a Prefeitura de Catalão três meses depois, após o afastamento do Prefeito pela Câmara Municipal. E as nossas pescarias chegaram ao fim, por razões diversas.
Vieram-me essas reminiscências ao refletir sobre o gravíssimo momento vivido hoje pelo país, colhido em cheio por uma pandemia mundial, sem previsão de fim, manipulada escandalosamente pelos políticos, pelo judiciário e pela imprensa, enquanto milhares de brasileiros morrem todos os dias pela covid, por fatalidade ou por inabilidade.
Mais uma vez nos defrontamos com um país que parece ingovernável e o desfecho pode ser trágico. Saudades dos tempos das pescarias!
Represa da Serra do Facão
Por Paulo Hummel Jr