CATALÃO – CRIMINOSOS, JAGUNÇOS E VALENTÕES

Catalão teve de tudo. Mas, é um erro comparar a nossa história com as lendas do velho oeste americano. Aqui não havia disputa por terras e, muito menos, o vitorioso era quem sacava primeiro.
Os criminosos de Catalão, na sua maioria, eram homens comuns, dedicados a família e que, por um motivo ou outro, tiveram que defender sua honra e sobrevivência.
É certo que haviam muitos jagunços no município. Mas, ao contrário do que se pensa, não eram homens de muita coragem pessoal, pois a maioria de seus crimes era feita de tocaia, pelas costas, de encomenda.
O destaque fica por conta dos valentões, categoria que proliferou no município de Catalão na primeira metade do século passado.
O valentão, ao contrário do jagunço, agia sozinho e demonstrava uma imensa coragem pessoal. Nada recebia pelas suas estrepolias e intrigas, a não ser o reconhecimento de sua bravura e destemor. Sem outra pretensão, fazia das brigas e assassinatos um meio de defesa da própria vida, sendo evitados pelos moradores da cidade e da zona rural.
Muitas vezes, a valentia e o jaguncismo se confundiam, o que era bastante raro. Foi o que aconteceu com os irmãos Dorneles.
Na verdade, nas primeiras décadas do século passado, muitos valentões infernizaram a vida dos moradores de Catalão. Geralmente eram protegidos pelos coronéis ou autoridades, que os utilizavam, quando necessário, como jagunços. Valendo-se da proteção, geralmente o valentão agia sozinho, com violência e desrespeito em todas as desavenças que participava. Somente era destituído do posto quando eliminado por alguém ainda mais valente.
Nas vendas e armazéns da cidade, nas festas e nas estradas da zona rural, o morador quando topava com um valentão ficava sem graça, temeroso pela família, e tentava sair de fininho. Normalmente levava um safanão ou engolia humilhação. São inúmeras as histórias contadas a respeito.
Para revisitar um caso, o escritor Cornélio Ramos narrou as estripulias de dois irmãos em Catalão: José Dorneles e Joaquim Dorneles. Viviam na zona rural do município, porém, comerciantes e moradores da cidade trancavam suas portas apenas com o boato de que, algum deles estava nas proximidades.
Os dois vieram das bandas de Minas Gerais, na virada da década de 1930, fugitivos da polícia mineira. José Dorneles, com o apelido Cabeleira, era moreno, alto e de boa aparência. Trabalhava em um carro de boi transportando cargas pelo município. Mas, apesar de carreiro, cometia crimes nas horas vagas, espancava pessoas mais humildes com um rabo-de-tatu de tala larga, que sempre trazia consigo. Os fortes ele matava, chegando a expulsar de Catalão um cabo da polícia, somente com a jura de morte que lhe fez.
José Dorneles adquiriu, assim, uma fama de valente também em Catalão. O apelido Cabeleira ele havia trazido de Minas Gerais.
Cabeleira era um cangaceiro nordestino que infernizou a vida dos pacatos moradores nas pequenas cidades do sertão. Era topar com ele e ser humilhado perante a família.
José Dorneles era, de fato, destemido e malvado. Certa vez, um fazendeiro da Pedra Branca mandou assassinar o seu confrontante de terras, Raimundo de Paula. O irmão da vítima, João de Paula, dono de uma venda no povoado, contratou o Cabeleira para matar o fazendeiro. Cabeleira negociou o dobro do contrato com o fazendeiro, voltou e friamente matou o vendeiro.
Mas, teve um fim trágico. Numa festa de São João, na roça, trocou tiros com dois inimigos no clarão da fogueira, ferindo um, mas levando uma descarga pelas costas de um participante da festa, sendo chacinado brutalmente ao pé da fogueira.
Os donos da festa ficaram com medo de vingança, por parte do irmão de Cabeleira, Joaquim Dorneles, e solicitaram ajuda da polícia. O delegado de Catalão enviou soldados para buscar o irmão, que morava de agregado na fazenda do Américo Evangelista.
Joaquim, de fato, era acusado de muitos crimes em Minas Gerais, não negava, sendo também corajoso e disposto.
Mas, era um homem trabalhador. Forte, baixo e troncudo, tomava conta, com sua mulher, de um pequeno retiro na fazenda.
Não quis se entregar à policia de maneira alguma. Com a casinha cercada pelos soldados, pediu que deixassem a filha e a mulher saírem, antes do acerto de contas. O chefe da escolta, tenente Gentil, concordou e Joaquim Dorneles conseguiu resistir várias horas a um cerrado tiroteio. Alguns soldados ficaram feridos. Mas, atearam fogo na casa e ele teve que pular uma janela sendo atingido.
Era véspera do casamento de sua filha. Após o fuzilamento, os soldados entraram na casa e conseguiram retirar latas de doce, balaio de biscoitos de polvilho, bebidas e passaram a festejar o acontecimento no terreiro… ao redor do cadáver.
Depois da morte do Cabeleira e do seu irmão, a figura do homem valente foi se tornando rara em Catalão. Na década de 1940, com a expansão das escolas e início das eleições democráticas, a valentia foi perdendo o brilho e a admiração.
FOTO: Ilustração da plataforma da estação ferroviária de Catalão
FOTO: Ilustração da frente da estação ferroviária de Catalão
FOTO: Ilustração do famoso cangaceiro nordestino
Luís Estevam
(Academia Catalana de Letras)