Elzon Arruda, guardião da memória negra de Catalão

Há histórias que não envelhecem, apenas se tornam mais preciosas com o passar do tempo. Entre elas está a de Elzon Arruda, capitão do Terno Prego, homem simples e firme que dedicou sua vida a preservar a cultura negra em Catalão. Suas lembranças, sua fé e sua resistência transformaram-se em herança para todos que hoje contemplam a beleza das congadas e demais manifestações afro-brasileiras que moldam a identidade da cidade.

Nascido em 11 de fevereiro de 1941, Elzon é filho de Geraldo Arruda, conhecido como Prego, e de Julieta Arruda. Cresceu cercado pelo afeto e pela união dos irmãos: Hélio (in memoriam), Edma (in memoriam), Edson (in memoriam), Edsonia, Elza (in memoriam), Érico (in memoriam), Edith (in memoriam), Eny e Egio. Uma família grande, marcada por lutas, despedidas e também pela alegria de compartilhar raízes profundas em Catalão.

Na vida adulta, construiu sua própria família ao lado de sua esposa Iraci da Costa Arruda, com quem dividiu não apenas os desafios cotidianos, mas também a fé e o compromisso com a tradição. Dessa união nasceram seus filhos: Maria de Fátima, Antônio Marcos, Cristiane e Cristina, que carregam no coração o orgulho de pertencer a essa história de resistência e dignidade.

FOTO Lucas Machado (Ensaio 2023)

Em 2009, tive a oportunidade de registrar suas palavras pela primeira vez, numa entrevista que se gravou em mim com intensidade. Naquele 27 de maio, aniversário do Terno de Congo do Prego, diante de sua voz emocionada, percebi que não se tratava apenas de uma conversa: era o encontro com a história viva de um povo. Hoje, ao revisitar essa memória, carrego ainda mais emoção, pois o tempo já lhe trouxe a idade avançada e a fragilidade do corpo, mas não conseguiu apagar o brilho do que ele representa. Ao contrário: a trajetória de Elzon tornou-se ainda mais simbólica, como um farol que orienta a memória coletiva.

A história de sua família se entrelaça com as raízes da cidade. Sua avó foi descendente direta dos que chegaram a Catalão pelas mãos dos senhores, marcados pelas correntes e pelos chicotes, destinados às lavouras de café e de açúcar. Dessa dor profunda, porém, nasceram também a fé, a música, a dança e a celebração. Para Elzon, cada congada, cada roda de capoeira, cada 13 de Maio sempre significaram mais que festas: eram — e ainda são — testemunhos de resistência, sinais de que a cultura negra nunca se calou diante da opressão.

Por muitos anos, o Clube 13 de Maio foi o espaço onde a comunidade negra se reunia para celebrar a vida. O áudio gravado por mim naquele maio de 2009 ainda guarda a emoção na voz de Elzon, revelando a força de suas lembranças e o orgulho de ter vivido intensamente esse tempo de encontros. Ali havia danças, rodas, festejos, desfiles, carnavais inesquecíveis. Negros e brancos se misturavam em respeito. Ele descrevia, com brilho nos olhos, como o carnaval era um espetáculo de alegria e organização, em que todos se reuniam para festejar em harmonia, fortalecendo o orgulho de ser negro.

Catalão também se tornou palco de festas religiosas que, embora nascidas da dor, se converteram em devoção e alegria. A Festa de Nossa Senhora do Rosário, patrimônio sagrado legado pelos escravos, é talvez a lembrança mais viva da fé de um povo que nunca desistiu de acreditar. Outras celebrações, como a de São João e as homenagens a Nossa Senhora da Abadia, igualmente foram fortalecidas pela presença negra, revelando a continuidade de uma força cultural que atravessou gerações e permanece até hoje.

FOTO Lucas Machado  (Ensaio em 2025)

Em suas lembranças, Elzon fazia questão de citar nomes que não podem ser apagados da história: Maria Manca, Quirino Dias, Antônio Simplício, Antônio Miguel, Chico, Nino, Zé Eletricista, entre tantos outros irmãos e irmãs que, como ele, mantiveram acesa a chama da resistência. Eram homens e mulheres comuns, mas que se tornaram heróis invisíveis, pilares de uma narrativa que muitas vezes não aparece nos livros, mas que pulsa no coração do povo.
Para Elzon, a preservação da cultura negra em Catalão depende unicamente da união. Congadas, capoeira, religiões de matriz africana, culinária, danças e todas as expressões afro-brasileiras precisam continuar vivas, para que as próximas gerações possam se orgulhar de suas raízes. Suas palavras não são apenas recordações, mas um chamado à consciência, à luta contra o preconceito e contra as amarras que ainda tentam silenciar vozes negras.

FOTO Lucas Machado (Entrega da Coroa 2024)

Com alegria no olhar, Sr. Elzon contou que as reuniões da família Arruda — cheias de afeto e histórias — acontecem embaixo de um gigantesco pé de manga, na residência localizada em frente à Praça dos Congos, na Rua José Saturnino de Castro, popularmente conhecida como Rua da Capoeira. É nesse espaço, de sombra generosa e memória viva, que a família se encontra, reforçando laços e mantendo vivas as tradições.

É… Catalão, com certeza, deve muito a seus negros. Deve o suor, a arte, a fé, a alegria e a resistência que moldaram a identidade cultural da cidade. Elzon Arruda, em sua simplicidade, sabe disso e transformava cada relato em testemunho de vida. Ele nunca pediu reconhecimento para si, mas para todo um povo que construiu a cidade com dignidade e esperança.

Hoje, ao revisitar minhas memórias, o coração se enche de gratidão. Porque para nós, defensores da cultura catalana, Sr. Elzon não é apenas capitão do Terno Prego: ele é guardião da memória coletiva, símbolo de que a cultura negra resiste, floresce e ensina. Seu nome ecoa como um tambor que não se cala, lembrando a todos que a festa, a dança e a fé são expressões de liberdade.

E enquanto houver congada, tambor, canto e dança em Catalão, haverá também o eco da voz de Elzon Arruda, lembrando-nos que somos frutos de uma história de luta e que cabe a nós garantir que as gerações futuras tenham sempre o que celebrar.

FOTO: Lucas Machado com Sr. Elzon Arruda

Sr. Elzon, a Família Blog da Maysa Abrão tem um grande carinho e respeito pelo senhor. Desejamos muitos e muitos anos de congada, de fé e de alegria, para que sua presença continue iluminando a cultura negra de Catalão e inspirando todos aqueles que acreditam na força da memória.

FOTO: Mimos que ganhei de Sr. Elzon Arruda em entrevista 2009

FOTO: Domingo de muita informação na casa do Sr. Elzon (2013)

FOTO: Entrega da Coroa 2017

FOTO: Último ensaio das congadas 2016

BLOG da Maysa Abrão na recepção ao Secretário da Cultura, Sr. João Batista Andrade. – Elzon Arruda

Blog da Maysa Abrão no Almoço do Prego na 141ª Festa do Rosário – Congo Prego
No canal do YouTube Blog da Maysa Abrão tem outros vídeos incríveis do Sr. Elzon Arruda e do Terno de Congo Prego para você conferir.
Texto elaborado por Maysa Abrão, com base em entrevista concedida por Elzon Arruda em maio de 2009.
FOTO CAPA: Lucas Machado Fotografias