Leovil Evangelista da Fonseca – O Prefeito que se Fez Lenda
Catalão mudou. As praças foram refeitas, as avenidas alargadas ganharam novos nomes e contornos, a rodoviária já não é a mesma, e o concreto moderno tomou o lugar de tantas marcas do passado. O tempo, implacável em sua marcha, cobriu com asfalto e paredes novas as obras físicas de um homem que um dia governou essa cidade com coragem e pulso firme. Mas há coisas que nem o tempo consegue apagar — como o exemplo, a ética, a dignidade. Porque se os marcos materiais de Leovil Evangelista da Fonseca já não estão diante dos nossos olhos, a sua história continua viva onde realmente importa: na memória dos que sabem reconhecer um verdadeiro homem público.
Nascido em 14 de agosto de 1926, filho de João Alfredo da Fonseca e de Erondina Evangelista da Fonseca, Leovil foi moldado no seio de uma família grande e tradicional. Tinha dez irmãos: Leopoldo, Genervino, Maria, Lili, Raulina, Olinda, Iolanda, Elvira e as gêmeas Anita e Anica. Em sua caminhada, construiu uma vida complexa e cheia de nuances — casou-se com Iriné da Costa Evangelista, com quem teve João Alfredo e Ana Maria. Também foi pai de Marília e Leovil Júnior. Vivia, como qualquer homem, entre o dever e o desejo, entre o público e o privado, entre as responsabilidades que impunham o peso do cargo e as fragilidades que fazem de todo líder, antes de tudo, um ser humano.
Advogado por formação, industrial e produtor rural por vocação, Leovil era dono das fazendas Pé do Morro e Picada — esta última vendida, em 1987, para Pedro Paulo Batista. Junto ao irmão Genervino e ao amigo Nilo Margon Vaz, foi sócio da Charqueada Irmãos Fonseca, que teve papel importante no desenvolvimento econômico da cidade.
Mas foi como prefeito de Catalão que ele deixou sua marca mais profunda — ainda que hoje não se veja mais com os olhos, ela permanece nos princípios. Ao assumir a prefeitura, ainda cursava o ensino ginasial, e mesmo assim, fez o que poucos já formados ousariam fazer. Enfrentou o sistema, instituiu concursos públicos, montou uma equipe técnica sem levar em conta coloração partidária, e chamou para o governo pessoas de diferentes espectros ideológicos — desde que fossem competentes.
Seu mandato foi um divisor de águas. Impôs ordem na máquina pública, reorganizou departamentos, e comandou com austeridade uma administração que desagradou a muitos justamente por ser ética demais. Construiu a Estação Rodoviária com recursos exclusivamente da prefeitura, asfaltou ruas, reestruturou praças, impôs disciplina na arrecadação fiscal, e — gesto raro e admirável — destinou todo o salário de prefeito à construção da Vila Raulina, com 32 moradias populares. E quando o valor arrecadado não foi suficiente, completou a obra com recursos da firma Irmãos Fonseca.
Leovil não conhecia privilégios. Em sua gestão, nem sua própria esposa escapava das regras. Quando D. Iriné foi flagrada em uma infração de trânsito, o guarda hesitou, mas Leovil foi direto: “A mulher do prefeito não é diferente dos outros. Cumpra o seu dever.” E quando freiras solicitaram perdão de uma multa vencida por um dia, ele não flexibilizou a lei — mas pagou, do próprio bolso, o valor devido.
Um homem de coragem moral. Quando a Câmara quis trocar o nome da Rua Dr. Pedro Ludovico por um nome ligado ao regime militar, Leovil vetou. “Pedro Ludovico é ainda a maior reserva moral desse Estado”, afirmou, defendendo a história de Goiás com a mesma firmeza com que defendia os princípios que o guiavam.
Sua trajetória foi marcada pelo esforço constante de melhorar como homem e como cidadão. Anos depois de seu mandato, já com muitos feitos em seu currículo, concluiu o curso de Direito na Universidade de Uberlândia. Era incansável. Mas todo gigante também carrega silêncios. E algumas dores, ainda que escondidas, pesam demais.
Na manhã de 24 de dezembro de 1987, Catalão amanheceu em luto. Um Natal triste, cinzento, silencioso. A cidade parou. O povo, atônito, chorava a perda de um homem que, com todas as suas imperfeições humanas, foi exemplo de caráter, trabalho e honestidade. O Natal daquele ano foi marcado pela ausência de um dos seus maiores líderes. Uma data que deveria ser de festa se transformou em saudade e silêncio. A dor atravessou famílias inteiras, porque o que se perdeu ali foi mais do que um ex-prefeito — foi um símbolo.
Hoje, o que restou não foi uma obra física, mas algo maior: o sentimento coletivo de que, um dia, Catalão foi governada por um homem justo. Uma referência de integridade que se tornou lenda. O nome de Leovil pode não estar mais em placas ou edifícios, mas permanece gravado na consciência dos que entendem que política também pode ser sinônimo de honestidade, de entrega, de compromisso com o povo.
E como se a história não quisesse fechar suas portas, hoje, Leovil Júnior, um de seus filhos, segue os passos do pai na vida pública, mantendo viva a chama do compromisso com a justiça, a ética e o amor por Catalão. A história se repete — não como cópia, mas como legado. Um legado que inspira e que jamais será esquecido.
Leovil foi o 36º Prefeito de Catalão, Goiás.
TEXTO: Maysa Abrão
FONTE: “Catalão de Ontem e de Hoje” – Cornélio Ramos; Depoimentos do filho João Alfredo e Informações do filho Leovil Júnior.