Matança dos Ferroviários por Sonia Sant’Anna

Já escrevi aqui algumas vezes sobre Catalão, GO, que, como toda cidade do interior de tempos passados, era dominada por algum coronel e seus jagunços. A história de hoje ficou conhecida nos anais da cidade como Matança dos Ferroviários.
Construía-se um prolongamento da estrada de ferro que ligaria Catalão a Ouvidor e Três Ranchos. O cenário, nesses casos, não varia muito. Os operários, recrutados em outros locais, vivem em acampamentos e nos fins de semana vão à cidade. Tabernas e bordéis se multiplicam para atender essa clientela.
Certo fim de semana, alguns trabalhadores da estrada, em Catalão para a farra semanal, quiseram invadir a casa de uma tal Sana, viúva e, ao que se dizia, amante de um alferes do destacamento policial, e agarrá-la à força. Sana correu para a rua. Alguém gritou-lhe que parasse. Sana continuou correndo, até ser derrubada por três tiros. Os criminosos rapidamente deixaram o local.
O entregador de pães, ao passar por ali ao amanhecer, encontrou o cadáver. O alferes, amante da vítima, iniciou as investigações, e os vizinhos da defunta foram unânimes em afirmar que os responsáveis pelo crime eram operários da estrada de ferro. O comandante ordenou ao feitor da obra que lhe enviasse os suspeitos. Se era homem de fato, que fosse pessoalmente ao acampamento capturá-los, respondeu o feitor. No acampamento eram 500 os operários, enquanto a força policial não passava de 10 praças. Assim mesmo lá foi o alferes, levando consigo dois soldados, logo rechaçados a tiros.
O militar foi queixar-se a Isaac da Cunha, o chefão que dominava a cidade na época. Isaac e seus jagunços preferiram não ir ao acampamento, onde a superioridade numérica era invencível, e foram, às quatro horas da madrugada da noite seguinte, esperar o trem de serviço que trazia os homens para o trabalho. Espalharam dormentes sobre o leito da estrada, para impedir a passagem do trem, que se deteve ao atingir o obstáculo; um soldado se adiantou e exigiu a entrega dos suspeitos. Um desses suspeitos abateu o soldado com um tiro.
Uma fuzilaria, disparada pela turma que estava de tocaia, atingiu o trem, matando seis homens e ferindo outros, levados para a cidade e atendidos pelo único médico num hospital improvisado Passadas 48 horas, os mortos ainda estavam insepultos. O mau cheiro incomodava a população. Foi passada uma lista para custear as despesas do enterro. E tudo ficou por isso mesmo. Como sempre, ninguém foi punido, e Isaac continuou dominando a cidade até ser suplantado por outro valentão.