Memórias de um Peregrino – AS ALEMÃS

Em Barbadelo conheci Marlene, uma jovem integrante de um grupo composto de várias famílias alemãs. Tinha uns 20 anos, linda e loira, mas não falava espanhol, fato que restringiu o nosso diálogo. Impressionou-me a simplicidade e a praticidade dos alemães. Com o albergue lotado, acomodaram-se, tranquilamente, na sala e nos corredores, sem perder o bom-humor.
Lá conheci também Marlies, outra bonita loira alemã, de uns 23 anos, que estava só e iniciava ali o seu Caminho. Muito alegre, meiga e simpática, falava espanhol e dizia gostar de caipirinha. Vivia em Barcelona, onde fazia um curso de extensão em arquitetura, já em fase de conclusão. Eu, Joan e ela jantamos juntos, com direito a vinho, foto e um papo até mais tarde. Explicou-me Marlies que, na Alemanha, geralmente os homens preferem beber cerveja, enquanto o vinho é a bebida predileta das mulheres.
Na hora de dormir, com o albergue lotado, Marlies não se apertou: escolheu um canto qualquer e estendeu sua esteira, que possuía um dispositivo pneumático que a inflava, transformando-a em um pequeno colchão. Não deve ser a última palavra em conforto, mas é o sumo da praticidade para um peregrino. Elimina o eterno receio de encontrar o albergue sem vagas para hospedagem.
Parti por volta das 7h30, quando a claridade permitiu a visão das setas amarelas. Após a entrada em território galego, a alvorada passou a trazer consigo uma forte neblina, que durava quase toda a manhã. Tempo agradável para se caminhar, mas fácil de se perder pelo caminho. Além disso, aquele clima, com certeza, incentivava o sono dos habitantes locais, pois quase não se via moradores circulando antes das 10h. Inclusive os proprietários de bares, para desconsolo dos peregrinos, à espera de um bom café-da-manhã.
Naquela manhã, algum tempo depois de partir, estava absorto em meus pensamentos quando ouvi alguém se aproximando. Fiquei surpreso ao perceber que era Marlene, a jovem alemã. Adiantou-se ao seu grupo, sozinha, e emparelhara-se a mim. Mas a minha baixa autoestima, diante de sua beleza e juventude, muito mais que a simplicidade do meu inglês, dificultou o estabelecimento de um diálogo consistente e ela, pouco depois, resolveu voltar ao encontro dos seus. Mordo-me sempre que recordo esse episódio, do qual não pude reabilitar-me, polis não mais a vi.
Mais à frente, reencontrei Joan e Marlies e seguimos juntos. Alguns quilômetros adiante, enquanto tomávamos um café, conhecemos outra alemã, muito atraente, chamada Stefani. Como ela estava só, aderiu ao grupo.
Mais duas horas de caminhada e chegamos a Portomarín, depois de ultrapassar uma ponte pênsil, sobre a represa vizinha à cidade. Em decorrência do represamento do rio, a povoação foi transferida para uma local mais elevado. A singularidade é que a reconstrução manteve praticamente todas as características originais dos edifícios, inclusive a sua pequena e antiquíssima igreja.
FOTO: A ponte pênsil sobre a represa, em Portomarín
FOTO: Igreja de San Nicolas, em Portomarín
FOTO: Paulo Hummel e Marlies em Portomarín, na visão do pintor Joan Bueno
FONTE: Extrato do livro Memórias de um Peregrino, de Paulo Hummel Jr