NA TRADIÇÃO DO ROSÁRIO por Luis Estevam

A Festa do Rosário é o maior acontecimento sócio-religioso de nossa região. A bela tradição tem suas origens no século XIX e conta, pelo menos, com 144 anos de existência. De acordo com registros históricos municipais, desde 1876 a Irmandade de N. S. do Rosário já existia, levando a crer que, naquela época tinha uma festa organizada na cidade, além de romaria em louvor à santa realizada inicialmente na zona rural.
Tudo começou quando um descendente da família Monttandon, de origem alemã, mudou-se de Araxá para Catalão, logo depois da metade do século XIX. Esse descendente de imigrantes, Pedro Netto Carneiro Leão, casou-se com Dona Henriqueta Cristina da Silveira e tornou-se um grande fazendeiro na região de Catalão. Antes, ele havia feito uma promessa a N. S. do Rosário, santa de sua devoção em Araxá, que iria realizar uma grande festa em sua homenagem na cidade de Catalão.
Pedro Netto Carneiro Leão preparava-se para cumprir o compromisso quando foi acometido por uma grave moléstia. Encarregou, então, o seu filho, na época com nove anos de idade, para quitar sua promessa com a santa.
O menino, Augusto Netto Carneiro, cresceu e, como o pai, prosperou na vida rural. Senhor de muitos escravos, selecionou um grupo de negros, mandou-os para Araxá a fim de aprenderem regras e técnicas das danças e rituais praticadas na terra do seu falecido pai.
Logo formou em Catalão um numeroso agrupamento de devotos e foliões onde cada grupo obedecia as ordens de um “capitão” e todos eram organizados sob o comando de um “general”.
No dia da estréia da tão esperada festa, em outubro de 1876, ocorreu um contratempo. O vigário da paróquia, padre Joaquim Manoel de Souza, não concordou com a realização dos festejos, alegando se tratar de um rito pagão. Fechou a igreja e desapareceu com as chaves.
Mas, o fazendeiro Augusto Netto Carneiro não se intimidou. Mandou arrombar as portas da igreja em construção (Velha Matriz) onde promoveram a maior festa religiosa, até então realizada em Catalão. Mesmo na ausência do vigário, os membros da Irmandade de N. S. do Rosário coordenaram todos os festejos.
Na verdade, a Festa do Rosário tem uma história muito sofrida, compartilhada por todas as famílias que se dedicaram, ao longo do tempo, ao cultivo da tradição. Não fossem elas, a festa não existiria a não ser na memória dos antepassados.
A princípio, durante várias décadas, a Irmandade enfrentou a proibição de exercer a sua devoção em igrejas, até construir a sua própria. Em 1936, a comunidade recebeu a doação de um terreno, feita por Enéas Fonseca, e foi erguendo vagarosamente a construção, com trabalho voluntário e pequenas doações de devotos.
Enquanto isso, as festas eram realizadas, ano após ano, na casa dos festeiros ou mesmo em lotes vagos pela cidade. Por fim, quando a igreja ficou pronta, a comunidade enfrentou a invasão comercial das barraquinhas que enfraqueceram bastante o sentido religioso das comemorações. Ainda, no início da década de 1980, as chuvas derrubaram a torre da igreja que foi reconstruída com dificuldades pelas famílias devotas.
O mais importante, no entanto, é que, mesmo diante de tantas dificuldades e desafios, a estrutura original da festa sobreviveu quase sem alterações: Irmandade, Família Real, General, Capitães, Caixeiros, Soldados, Conguinhos e Bandeirinhas.
A Irmandade continua sendo responsável pela manutenção da igreja e pela realização dos festejos. O Rei, por sua vez, sempre foi a figura principal dos eventos e cabe à Rainha transportar a coroa que simboliza a Senhora do Rosário, acompanhada pelos Príncipes e Princesas no percurso dos rituais.
O Capitão cuida da organização de cada terno, geralmente comandado por dois capitães, monitorados de perto pelo General da Congada. Os Caixeiros sustentam o ritmo forte e pesado do batuque e os Soldados são os foliões e brincadores. Conguinhos ficam no final da fila e geralmente são filhos e netos de congadeiros. Bandeirinhas são as moças que abrem os desfiles, tradicionalmente meninas virgens que dançam à frente dos ternos, cantando e carregando bandeiras.
Os ternos mais antigos de Catalão são o Pio Gomes (1935), o São Francisco (1940), o da Congregação do Rosário (1942), o Santa Terezinha (1948), o Catupé N. S. Mercês (1953), o Vilão Santa Efigênia (1954), o da Mãe de Deus (1961), o Catupé São Benedito (1970) e o da Sagrada Família (1973).
O grupo Moçambique é formado por ternos especiais que remontam às raízes da festa. Todo o procedimento da Entrega da Coroa, por exemplo, é feito pelo grupo Moçambique que não interrompe a batida e segue todos os passos cantando e tocando pela cidade.
A comunidade catalana tem uma dívida muito grande com todos esses personagens que realizam a Festa do Rosário que tanto engrandece a nossa cidade e região.
Salve o Rosário!
Luis Estevam
(Membro da Academia Catalana de Letras)