O Eco do Passado – UMA VIAGEM DE CAMINHÃO

Entre tantas viagens que fiz de caminhão de Catalão para São Paulo, capital, e para Santos-SP, houve uma que quero ressaltar. Em 1956, quando eu possuía um caminhão melhor, fazia uma viagem por mês para a fábrica dos Farid, levando manteiga em latas de 05 e 10 kg.
Às vezes eu pegava um pouco da carga aqui em Catalão, outra parte em Água Limpa e de lá, passando por Itumbiara, seguia até Uberlândia-MG e dali até São Paulo.
Quando estava para completar a carga, em Água Limpa, fazendo a contagem de toda a mercadoria que entrara no caminhão, notei que a carga excedera ao que fora combinado. E daí para frente, eu percebi que o caminhão, embora novo, estava a toda hora pedindo marcha. Tratei, então, de ir com mais cuidado, pois naquela época, só havia asfalto na rodovia depois que entrávamos em São Paulo!
No momento em que entrei em Ribeirão Preto (naquele tempo a passagem era por dentro da grande cidade) e estava descendo a Av. das Saudades (centro), um dos pneus estourou. Então, eu parei e fui verificar se dava para colocar o estepe, mas de toda maneira eu teria que comprar outro pneu. A avenida era comercial e logo em frente havia uma borracharia e o movimento de caminhões ali era muito grande!
Quando eu estava pensando no que fazer, o dono da borracharia veio falar comigo, pedindo-me para colocar o caminhão dentro do pátio, pois não poderiam fazer o serviço em plena rua. Ele foi logo me alertando que eu precisava comprar dois pneus novos para colocar na frente e que os da frente, que ainda estavam bons, poderiam substituir os de trás, ficando os quatro pneus traseiros iguais.
Como eu não dispunha do dinheiro para comprar os dois pneus, perguntei se ele poderia fazer um escoramento nos dois lados do caminhão (devido ao peso), pois eu teria que ir até Catalão buscar o dinheiro, mas que lhe pagaria cada dia em que o caminhão permanecesse na sua garagem! Ele me disse que não teria nenhum problema, pois também já fora caminhoneiro e foi logo colocando o caminhão na sombra e fazendo o escoramento com cavaletes.
Em seguida, peguei minha maleta e saí rumo à rodoviária, que ficava logo abaixo. E como o ônibus para Uberlândia iria demorar um pouco para sair, eu me assentei num banco de uma praça próxima, onde havia um estacionamento de táxi.
Estava eu ali tomando um sorvete, quando um cidadão, alto, parou na minha frente, cumprimentou-me e perguntou curioso se eu era o Paulo Hummel, de Catalão. Levei um susto enorme e fixando-o bem, reconheci que se tratava do Sr. José Batista Ferreira, de Ribeirão Preto, mas que havia morado em Catalão durante uns seis anos. Ele tivera uma fazenda de café, no Ingazeiro, e fora muito amigo do meu pai, de todos nós, principalmente do Antônio.
Quando ele se certificou de que eu era mesmo o Paulo Hummel, arrastou-me pela mão e deu-me um abraço de “quebrar costelas”.
Ao tomar conhecimento da minha situação, ele me abraçou novamente e disse-me “Você está em casa, Paulinho”. Em seguida, entrou no seu táxi e convidou-me para entrar também. Fomos conversando e logo à frente ele parou em uma concessionária de pneus. Chamou-me para entrar e aí escolhemos os dois pneus, que ele pagou à vista. Colocamos os pneus e fomos para a borracharia. Como o José Batista era amigo do peito do dono do estabelecimento, esse fez para mim um ótimo serviço e barato!
Então nos despedimos e ele mandou que eu desse muitos abraços na família do meu pai, pois ele não sabia quando voltaria a Catalão. Deu-me o seu endereço e se foi.
Eu não cabia em mim de felicidade e a viagem até São Paulo seguiu de vento em popa!
Tão logo cheguei à capital paulista, telefonei para o Michel Farid, que era o dono de praticamente todas as fábricas de manteiga de Goiás. Ele pediu que eu aguardasse ali onde estava, pois iria mandar um funcionário seu para levar-me ao ponto da descarga. Então eu disse ao Michel que queria acompanhar a pesagem da carga, pois eu havia perdido dois pneus na viagem e acreditava ser devido ao excesso de carga. Ele concordou e disse-me que iria telefonar para Catalão e, caso fosse confirmado o excesso de carga, o seu irmão Elias me pagaria os dois pneus novos comprados pelo José Batista.
Aí descarregamos toda a carga, que foi pesada cuidadosamente e, de fato, houve um excesso de mais de 800 kg de manteiga. Trouxe uma via do peso e recebi a quantia correspondente ao valor dos dois pneus novos.
Quando estava com outra viagem agendada para São Paulo, mandei matar, lá na minha fazenda, um capado gordo e toda a carne de primeira, depois de temperada e cozida, foi colocada em uma lata e coberta com a gordura do porco. Poucos dias após fiz outra viagem, agora para Santos, e passei na residência do José Batista, em Ribeirão Preto, mas não o encontrei. Na volta, tornei a passar em sua casa e, como havia lhe telefonado antes, ele lá estava à minha espera. Entreguei-lhe a lata de carne e ele ficou muito alegre. Almoçamos juntos e quando fui lhe dar o dinheiro dos pneus, ele não quis receber de maneira alguma, pois, segundo ele, durante os seis anos em que residiu em Catalão, ficara devendo inúmeros favores ao meu pai e ao Antônio Hummel. Aí ele me deu uma carta para que eu a entregasse ao meu irmão.
Aquela viagem foi para mim uma lição que eu recebi de Deus e que veio orientar o resto da minha vida, pois quando me vi, lá em Ribeirão Preto, com o caminhão danificado e, ainda, sem dinheiro, foi como se eu estivesse perdido num deserto. Daquele dia em diante, procurei servir ao próximo toda vez que era solicitado, de uma maneira justa.
Ainda viajei mais uns três anos, servi a muitos companheiros de viagem e em nenhuma ocasião passei por outro caso semelhante. Porém, sempre que viajava, colocava-me sob a “Bênção de Deus”!
FOTO: Ribeirão Preto na década de 50
FOTO: O Seiscentão do PH. No estribo direito, Paulo Hummel e no esquerdo, Paulo Jr. (Foto do acervo de Rosana Hummel)
FONTE: (Extrato do livro O Eco do Passado, de Paulo Hummel)

 

 

 

 

 

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