Waldivino José Duarte – Da Zona Rural para a Cidade

A região da Mata Preta, no município de Catalão, foi habitada, desde os primórdios do século passado, por uma comunidade diferente e bastante interessante. Era um povo muito simples, trabalhador, dedicado inteiramente à família e que vivia, de fato, em regime de mútua cooperação.
Dizem que eram descendentes de ciganos. Tanto que cultivavam valores comunitários, vivendo um por todos, todos por um.
Quando o povo da Mata Preta vinha à cidade de Catalão, era um acontecimento, um desfile. Despontavam de manhã na estradinha que vinha do longínquo povoado da Barra, formando uma alegre comitiva. Viajavam em bloco, todos unidos, homens a cavalo, mulheres e crianças nas carroças, perseguidos pelos cachorros da família.
Arranchavam-se nas cercanias do alto São João onde ficavam, por vários dias, fazendo negócios e passeando pela cidade.
Os homens, geralmente barbudos, andavam armados de garrucha e punhal à vista. Embora destemidos, eram ordeiros e de muito respeito. Nem a polícia incomodava os visitantes da Mata Preta, mesmo porque, se mexessem com um, mexia com todos.
Aos poucos, o entrelaçamento desses roceiros com a vida urbana foi se aprofundando. Não somente a Mata Preta, mas outras comunidades rurais encontraram no bairro São João um local aprazível de moradia e trabalho.
Na segunda metade do século passado, com a vinda das mineradoras, os moradores da zona rural mais próxima se integraram à vida urbana de Catalão. Foi o que ocorreu com as comunidades da Mata Preta, Coqueiros, Custódia, Macaúba e Chapadão, que trouxeram os valores tradicionais do campo para a cidade. A simplicidade no vestir, o trabalho sem preguiça, o respeito à família, a seriedade nos negócios e um forte despreendimento tornaram-se comuns ao povo do bairro São João.
Tudo isso pode ser visto e revisitado nas ações de um homem, oriundo da zona rural, chamado Waldivino José Duarte. Uma pessoa que difundiu, durante toda a sua vida, os valores tradicionais dos habitantes pioneiros do bairro São João.
Bem no começo da década de 1960, Benedito Fernandes da Silva e Luzia Duarte da Silva deixaram a roça, na fazenda Mata Preta, mudando-se para o alto São João. O casal tinha nove filhos e o mais velho, com apenas 12 anos de idade, era Waldivino José Duarte.
O menino logo começou a trabalhar como auxiliar de sapateiro e a estudar na escola Dona Iayá. Como não recebia salários, aos 20 anos recebeu em pagamento as máquinas da sapataria. Com isso, montou sua própria fábrica de botinas no bairro São João. Com o tempo expandiu o empreendimento, diversificou a produção e chegou a possuir três lojas de calçados em Catalão.
Waldivino Duarte deixou bem marcada a sua passagem como cidadão catalano. Raramente um profissional abraçou tantas atividades, sendo bem sucedido na maioria de suas iniciativas.
Como sapateiro empregou menores de idade, para aprendizado e treinamento, inaugurando um protótipo de Senai e Senac antes mesmo de existir tais instituições no município. Inclusive, depois de certo tempo, doou as máquinas de calçados para seus empregados, da mesma forma que havia ocorrido com ele.
Ainda, como empresário, foi secretário da Associação Comercial, tornando-se depois seu presidente. Até mesmo o terreno onde hoje funciona a Associação foi adquirido em sua gestão. O seu comprometimento com a classe era tamanho que chegou a ser secretário da Indústria e Comércio da prefeitura de Catalão.
Como produtor rural, com fazenda na Macaúba, abraçou a causa dos pequenos produtores, chegando a ser presidente do Sindicato Rural de Catalão e organizador do parque de exposições agropecuárias que hoje leva o seu nome.
Waldivino Duarte, sendo pessoa bastante conhecida e pleiteador de melhorias para o bairro São João, foi eleito vereador com expressiva votação, tendo sido presidente da Câmara Municipal por dois mandatos. Era amigo pessoal do prefeito Divano Elias da Silva, que vendia suas botinas desde quando gerenciava a Casa da Lavoura.
Profundamente religioso, o cursilhista Waldivino Duarte comandou a Festa de São João por seis anos consecutivos e fundou uma agremiação de jovens católicos existente até hoje.
Juntamente com sua esposa, Valdeci Maria Duarte, foi festeiro de N. S. do Rosário, tendo sido leiloeiro de artes e também no ranchão da entidade. Promoveu leilões de gado, revertendo a renda para entidades filantrópicas de Catalão. Foi um dos sócios fundadores do Lions Club, além de promover constantemente campanhas de arrecadação para o CRAC, o seu time do coração.
Uma boa reportagem sobre as atividades de Waldivino Duarte, ainda em vida, foi feita por Roberto Rocha e publicada no jornal O Catalão.
O importante é constatar que, um filho da zona rural, que cursou apenas Contabilidade em Catalão, tenha alcançado tamanho êxito nas empreitadas e aspirações, sem demonstrar qualquer orgulho ou empáfia.
Waldivino Duarte acabou sendo um marco na memória do bairro São João. Aliás, o São João não é exatamente um bairro. É um Catalão à parte.
Luís Estevam
(Da Academia Catalana de Letras)