A AGRESSÃO À SANTA por Cairo Mohamad Ibrahim Katrib

Outro acontecimento que faz parte das lembranças dos devotos e praticantes do Congado e que merece destaque foi o que ocorreu dias depois da realização da Festa do ano de 1995. Nesse dia a imagem de Nossa Senhora do Rosário foi danificada ao ser arremessada ao solo por uma mulher com perturbações mentais. Segundo a reportagem de um jornal de Goiás, a mulher adentrou o templo que se encontrava aberto devido a uma reunião que ali acontecia, e após sentar-se e observar o lugar se levantou foi à frente e perguntou se os presentes a conheciam.

A maioria disse que não. A mulher então disse que todos a conheciam sim, mas que ninguém a amava. Enquanto isso, caminhou rumo ao altar onde estava a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Chegando perto, puxou-a, arremessando-a ao chão, gritando que aquela imagem era apenas barro. Os presentes ficaram paralisados diante de tal fato e muitos gritavam e choravam ao mesmo tempo e a comoção tomou conta dos presentes.

O episódio ganhou a seguinte manchete: “Presa mulher que destruiu imagem de Santa”. Um dos trechos da reportagem dizia: “Aos gritos de isso é barro e não tem nenhum valor, ela atirou a imagem no chão. Levada para a delegacia foi autuada em flagrante por vilipêndio”.

Segundo a versão dos presentes e descrita no jornal, a mulher agiu conforme havia visto na televisão dias
antes. Um dos depoimentos estampados na entrevista do jornal dizia: “Ela repetiu a ação do pastor
neopentencostal da igreja Universal do Reino de Deus, que durante um programa de televisão deu vários chutes
na imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida – padroeira do Brasil”. O jornal noticiou: “A imagem de
Nossa Senhora do Rosário, padroeira da cidade de Catalão, foi quebrada na última sexta-feira à noite durante
uma celebração do grupo de oração da Renovação Carismática da igreja católica que estava sendo realizada na
igreja do Rosário, por Ediane Francisca, de 26 anos. Ela derrubou a imagem do altar dizendo que aquilo era
barro e não tinha nenhum valor, e que o bispo é que estava certo”. O fato causou grande comoção na cidade, uma
vez que a imagem tinha mais de 100 anos e era um dos principais símbolos da religiosidade local […].Cf.
KATRIB, 2004.
O Popular. 29 de outubro de 1995. página 14 A – Polícia.

 

Esse fato afetou os fiéis mas, conforme pude acompanhar e na percepção dos praticantes, acabou contribuindo para aguçar ainda mais a fé da população e dos próprios dançadores. A imagem destruída, tendo a cabeça e braços despedaçados, reforçou ainda mais a devoção à santa, e a comunidade local, em estado de comoção, solicitou do poder público providências no sentido de uma restauração urgente da imagem.

Naquela época, constatei que o então responsável pela Fundação Cultural da cidade, Edson Democh, procurou, a pedido do prefeito, vários restauradores na capital do estado, em Minas Gerais e outras capitais, para ver se os custos poderiam ser arcados pelo poder público. O levantamento foi feito chegando-se à conclusão de que os cofres públicos não dispunham do montante necessário para restaurar a imagem e que seria necessário recorrer a empresas e outras esferas da administração estadual e federal.

Entretanto, os dias se passavam e os devotos, preocupados com as condições em que se encontrava a imagem, pressionavam o poder público na tomada de decisão. Foi cogitado até mesmo comprar outra imagem para substituir a destruída, mas tal proposta foi recusada pela população.

Diante das circunstâncias, o presidente da Fundação Cultural resolveu assumir tal desafio e reconstituir, com a ajuda de artistas plásticos locais, a imagem da Santa, que foi recuperada e entregue à população meses antes do início da festa do ano de 1996. A imagem da Santa foi apresentada à comunidade durante um cortejo em carro aberto pelas ruas da cidade, quando a população comovida agradecia a volta da Santa padroeira.

Para Montes (1998, p.72), fica evidente que esse tipo de episódio expressa a importância dos significados atribuídos à palavra religião. A constatação desses episódios permite pensar a religião como uma das bases de ancoragem da vida social, compreendendo que nas múltiplas esferas de experiência em que o homem é chamado a conferir sentido à sua existência – em sua relação com o mundo da natureza, a vida social ou o universo sobrenatural –, a religiosidade pode desempenhar um papel de maior ou menor relevância, dependendo do grau de interação que os sujeitos sociais mantêm com suas crenças, com sua fé.

Neste viés esses acontecimentos serviram como termômetro para aguçar a religiosidade em torno de Nossa Senhora do Rosário e redimensionar a importância do Congado na cultura local, em especial, por parte dos congadeiros. Ao ver a imagem, símbolo da fé e da religiosidade destruída, a população, temerosa, reforçava as suas orações à Santa protetora, no sentido de que ela intercedesse e continuasse protegendo o lugar. Assim, uma rede de orações foi estabelecida na cidade como forma de não ver a crença em relação à Virgem do Rosário ser despedaçada como sua imagem foi. Esse episódio ainda é para muitos congadeiros o responsável pela intensificação da devoção à Santa. Na visão de Edson Arruda:

A população de Catalão não esperava passar por isso. Quem imaginava que
alguém quebraria a imagem de nossa Santa? Mas isso teve um lado
importante porque fez não só os congadeiros, mas toda a cidade ficar mais
unida em relação à devoção a Nossa Senhora do Rosário.[…] Não sei se por
isso, mais até a participação de mais dançadores nos ternos a gente teve
depois do ocorrido, (Entrevista, 2001)

Por outro lado, como apontou o narrador, o que antes preocupava o Congado era o número decrescente de dançadores nos ternos o que, a partir de 1996, foi solucionado, pois o quantitativo de dançadores aumentou significativamente. E como ressaltou o entrevistado, a população passou a ver com outros olhos o significado do Congado na manutenção de suas práticas devocionais e festivas. Entretanto, o ano de 1996 não foi somente o de crescimento do número de participantes em virtude da destruição da imagem da Santa. Alguns congadeiros afirmam que a participação do Congado no carnaval carioca fez aumentar o número de participantes nos ternos em Catalão, devido à visibilidade que o evento trouxe para a festividade.

Restauração da Santa em 1995

Prefeitura Municipal de Catalão 

Fundação Cultural Maria das Dores Campos 

Histórico 

A imagem de Nossa Senhora do Rosário, foi adquirida e doada à Irmandade do Rosário no ano de 1953 pela familia Democh, através da senhora Adib Elias Democh.
Está imagem por muitos anos foi alvo de várias restaurações, que mutilaram a sua originalidade.
Sendo de origem italiana (Fábrica Frenesi) ela possui diferenças na sua fabricação. A técnica utilizada pelos italianos é a de forrar a fôrma com sacos de linhagem e sustentar as partes das extremidades e a central com ferros de 2 (dois) cm de espessura, só depois disto é que é vazado o gêsso. Ela foi feita em partes, tais como: braço direito, menino Jesus, pés e coroas foram vazados separadamente e depois encaixadas nos respectivos lugares. Os olhos são de porcelana e acrílico (A mesma técnica que utilizamos na restauração) e foram colocados após a moldagem final do rosto.
A técnica de encarnação foram utilizadas tintas a base de água e goma laca (tipo de cola) para dar textura e brilho.
Restauração 
No dia 20 de outubro de 1995, aproximadamente às 19:30 horas na Capela do Rosário, em uma reunião dos carismáticos, uma senhora com perturbações mentais (de acordo com laudo da polícia) tira do nicho a imagem de Nossa Senhora do Rosário e a derruba por duas vezes; provocando quebraduras em 90% e comprometendo em 100% sua estrutura total.
Foram selecionados 812 pedaços e aproveitados aproximadamente na restauração 50 pedaços. Isso quer dizer que a imagem foi “feita” outra vez. O trabalho mais difícil foi o de dar resistência a estrutura do conjunto sem prejudicar sua anatomia original. Isto foi conseguido com uma massa feita com gêsso amarelo, cola e água. Para recuperar os trincados sem deixar marcas e ter aderência das partes unidas foi usado a massa de parede com cola após a hidratação das partes a serem novamente unidas e nas partes mais danificadas, foram usados grampos. Numa classificação por ordem decrescente, classificamos os estragos na seguinte ordem:
1° = Resistência do conjunto estrutural da imagem.
2° = Fraturas (pedacos) em 90% da imagem.
3° = Quebra total do rosto e olhos
4° = Quebra total da mão direita
5° = Quebra em 30% do
6° = Danificação total da pintura da imagem
A restauração teve uma duração de aproximadamente três meses e foram feitas com técnicas e recursos humanos e financeiros da Fundação Cultural Maria das Dores Campos.
Foram utilizados instrumentos próprios para escultura e modelagem. O gêsso usado nas partes mais danificadas, foi o amarelo importado. Para recobrir as duas coroas, também foram utilizados folhas de ouro importadas.
Os materiais utilizados foram:
a – gêsso amarelo + cola e água
b – gêsso branco + cola
c – massa para parede e cola
d – tintas plásticas
e  – folhas de ouro
f  – acrílico e porcelana
g – grampos metálicos.
Equipe de restauração 
( Fundação Cultural Maria das Dores Campos)
Coordenação e Orientação – Edson Democh
Escultura e Modelagem – Benjamim de Lima Filho e Edson Democh
Auxiliares – Roberto Abadia Leite Júnior
                   – Nelson Antônio de Melo
                   – Miguel Marcelo Fonseca Tavares
                   – Jean Carlos Souza Cruz
Encarnação = Edson Democh e Benjamin de Lima Filho
Prótese dos olhos – Cristina
Doramento das coroas – Nelson Antônio de Melo
Confecção do Manto – Edson Democh
                                       – Nelson Antônio de Melo
                                        – Roberto Abadia Leite Júnior
Pesquisa: Maysa Abrão