Jamil Sebba – Uma existência dedicada à vida

Uma vida inteira dedicada à preservação do bem mais importante para todo ser vivo: a própria vida. Essa é a melhor definição para a trajetória pessoal e profissional do doutor Jamil Sebba, que há exatamente cinquenta anos, em início de 1938, começou a exercer em Catalão a profissão para a qual recém-havia se formado. Um dos fundadores e ainda hoje integrante ocasional do corpo clínico do Hospital Nasr Fayad, um dos mais modernos do Estado, ele teve que enfrentar no início de sua carreira a precariedade de meios comum no interior brasileiro, na época, com a fibra e a dedicação de quem resolvera encarar ao pé da letra o lema de que a Medicina é um sacerdócio.

O doutor Jamil lembra que, “como médico que veio para clinicar na roça,  eu vivia atendendo a domicílio, ia para a fazenda de cavalo, à noite, atravessava rios de canoa. Tudo isso para ajudar a comunidade”. Nessa época, conta ele, “enfrentávamos uma carência muito grande. Não tínhamos nem centro cirúrgico e se tivesse um caso de cirurgia tínhamos que levar para Araguari, gastando em torno de 10, 12 horas de viagem”.

 

O Nasr Fayad

Só após 20 anos de trabalho, em maio de 1957, é que o Jamil Sebba, juntamente com o doutor Willian Fayad, fundaram o Hospital Nasr Fayad. “O doutor Willian era cirurgião e eu clínico geral, que também ajudava nas cirurgias. Inclusive tínhamos na época um número muito grande de cirurgias e graças a Deus tudo foi feito com sucesso”.

O hospital, na época, era uma novidade em Catalão, “despertando a curiosidade em muita gente que vinha conhecê-lo. Em termos de serviço, tornou-se muito mais fácil para os médicos, afinal trabalhar em equipe é bem melhor. Depois de um certo tempo tudo entrou nos eixos e a frequência de saída de doentes para outras cidades para serem operados praticamente acabou. Todo atendimento médico era feito aqui. Fazíamos as cirurgias mais complicadas. Por exemplo: a de tireoide é uma cirurgia difícil e nós pegamos numa ocasião o pessoal do Asilo São Vicente, que tinha muita gente com papuda (bócio) e resolvemos tirar. Internava um atrás do outro, todos queriam tirar o papo”.

Em 1970, com a morte do doutor Willian Faiad, Jamil Sebba ficou “praticamente sozinho. Foi quando pedi alguns médicos de fora e vieram o doutor Antônio Abadio e o doutor Roquim, de Brasília. Há mais ou menos 12 anos que meu filho, doutor Jardel, formou-se e veio trabalhar conosco. Hoje o hospital está mais ou menos com 15 médicos. Uma equipe muito competente tanto em termos de médicos e enfermeiras quanto de equipamentos. Em tudo, estamos muito bem servidos”.

Na Ativa

Até hoje, ainda está clinicando – “de forma esporádica, claro”. Ele diz, com aquela modéstia peculiar de quem já comprovou o seu valor, que “a gente vai ficando assim meio superado, vai sendo jogado para escanteio. Só atendo aquelas pessoas que insistem muito. Você sabe que gente boba não acaba…” – brinca ele.

Quanto às diferenças entre a Medicina dos seus primeiros tempos e a de hoje, ele compara que “os novos médicos não enfrentam as grandes dificuldades que nós tínhamos. Eles trabalham dentro de um esquema todo cheio de novidades, têm conforto e além do mais existem grandes cirurgiões. Catalão é hoje uma cidade que desfruta de grandes confortos. O que tenho a dizer aos novos é que sejam muito felizes e não desanimem diante das primeiras dificuldades. Aprendam a contorna-las, a transpô-las. É mais fácil que desistir”.

Político, elegeu-se e não foi assumir

Militante ainda hoje fiel às suas paixões políticas, apesar de não participar diretamente, o doutor Jamil Sebba analisa que “a política em Catalão vai indo num ritmo de progresso impressionante. Temos um grande prefeito, que como ele Catalão nunca teve. siderada grande e ele está dando um impulso muito bom”.

Quanto à eleição deste ano para a Prefeitura, Sebba acredita que “o candidato do Haley, o Maurinho, deve ganhar e continuar sua obra, mesmo porque hoje ele conta com o apoio do senhor João Netto, seu avô, o qual lhe fazia oposição.

Jamil Sebba já participou diretamente da política, candidatando-se a deputado, “há quase cinquenta anos atras”, pela esquerda democrática. Ficou como primeiro suplente e, logo depois, foi convocado a assumir a primeira vaga surgida. “Mas eu não fui, porque eles achavam que eu falo da boca pra fora”, conta.

“Metido” a escritor, lê, pesca e vê TV

No seu estilo de falar que mistura uma ponta de modéstia com bom humor, o doutor Jamil Sebba afirma não ter nada de especial a contar sobre sua vida, fora o fato desta ser “realmente muito comprida”. Sobre seus escritos que encantaram várias gerações de catalanos, prefere dizer que “era metido a escritor”.

Entre os casos curiosos que lembra de sua vida, destaca um que registrou “numa espécie de conto, porque na verdade é verídico, a que dei o título “Deus é mesmo goiano”, onde descrevo um atendimento meu na roça, muito complicado, em que eu não sabia o que fazer. O centro cirúrgico mais próximo de lá era Araguari, 150 quilômetros de estrada, sem transportes. Foi aí que me vi em dificuldades, mas graças a Deus consegui uns comprimidos analgésicos e dei para a mulher tomar. Fui dormir e, quando acordei, ouvi gemidos da mulher e do filho. Então, foi quando disse que Deus era mesmo goiano – e que era lá da beira do rio São Marcos, como eu”.

Guimarães Rosa

Falando de suas preferências literárias, o doutor Jamil Sebba diz ser “um grande leitor da Bíblia do sertão, que não sai de cima de mesa, que é o Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. E agora estou assustando uma nova Bíblia, Ana da Vida, que é a história da morte de Euclides da Cunha. Há vários outros livros que adoro ler. Tenho na leitura o meu derivativo e também na pescaria – pegar piau, lambari… além disso, eu gosto de televisão. Vejo tudo quanto é esporte que eu puder ver. Nesse ponto, não fiquei velho ainda. Acredito que esporte é vida”.

Quanto a filmes de sua preferência, ele diz haver “não sei quantos anos que não vou ao cinema e nem vejo filme pela TV. Realmente, não tenho paciência”. Adora música, “principalmente a música popular brasileira, a antiga. A de hoje eu não gosto. Gosto de samba-canção, as modinhas carnavalescas antigas, que faziam a vida do carnaval da época. A música tipo rock não me entra na cabeça. Não tolero essa guitarra”.

Ele conta que já escreveu muito, mas “atualmente a cabeça não funciona mais. Há uma espécie de prisão de ventre cerebral, não sai mais nada. Então, faço como as vacas: lambo as crias, publico coisas velhas…”

 

O prefeito proibiu sentar na calçada

Quando retornou a Catalão recém-formado e disposto a medicar, em inícios de 1938, Jamil Sebba começou a trabalhar sob os auspícios do então prefeito Públio de Souza, nomeado pelo interventor Pedro Ludovico, dentro da ordem política ditatorial da época. Sebba considera que “o Públio foi um grande prefeito, uma pessoa que serviu como um trator dentro do mato, desmatando os costumes e reprovando as maneiras que o povo tinha”.

Justamente por isso é que doutor Jamil pode recordar hoje muitas ocorrências pitorescas da época, centradas na pessoa do prefeito. “Ele proibiu inclusive que a população sentasse na calçada. Era muito comum o pessoal no final da tarde sair e conversar na porta da rua. Mandou também que todos os pés de bananas fossem arrancados dos quintais”.

 

COISINHAS

O afã regulamentador do prefeito na pachorrenta vida de Catalão na época, prossegue Jamil Sebba, fez com que “ele começasse a interferir em coisinhas como por exemplo os carreiros de boi não podiam entrar na cidade tocando os bois com facão na cintura, era proibido carregar galinha na manguara, etc.” Apesar disso, ele considera que Públio foi um bom prefeito.

Foi nessa época que o doutor Jamil começou a trabalhar na cidade. “De cara o Públio me chamou para nomear como médico do município, prometendo como pagamento a isenção de impostos. Depois de algum tempo, o Estado me cobrou o imposto com juros e eu perdi o meu trabalho”. Tendo trabalhado um ano como médico escolar, Jamil Sebba lembra que “o Públio reorganizou as escolas, fez muita coisa numa cidade muito parca de recursos, que não tinha nada”.

 

A VIDA

Jamil Sebba nasceu em 25 de julho de 1913, na região de Santo Antônio do Rio Verde, ainda hoje pertencente ao município de Catalão, onde morou seus primeiros quatro anos, até que a família se mudasse para Catalão. Fez o curso primário no Colégio Dona Yaiá, “uma das grandes escolas que Catalão já teve”. Em 1926, foi para Uberaba estudar o ginásio e só voltou para Catalão em 1930, após terminá-lo.

O ano seguinte, lembra ele que ficou “mais ou menos à-toa, tentando ver se encontrava algum emprego. Meu pai não estava lá muito bem de situação, não podia me mandar para fora. Em agosto, ele resolveu tomar uma providência, me mandando para o Rio de Janeiro, onde me matriculei no cursinho, fazendo em seguida o vestibular”. Começou o curso médico em 1932 e o concluiu em 1937, voltando para Catalão no ano seguinte.

Casado com dona Odete Fayad Sebba, desde 1941, Jamil Sebba é pai de Jardel Sebba, Nora Fayad Calife e Jamil Sebba Junior.

FOTO: Jamil Sebba Junior, Nora Fayad Calife, Jardel Sebba, Odete Fayad Sebba e Jamil Sebba

Médico da roça e sem hospital

Jamil Sebba

No dia 9 de dezembro de 1937, após a missa da Candelária, onde houve a bênção dos anéis e um almoço no Garoto do Mercado, regado a bom vinho português – oferta do inesquecível amigo doutor Rafael, pai de Newton Quintanilha, que com da. Bebê e sua mãe nos ajudava a comemorar o que para nós era um grande evento – , subimos a escadaria do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Antes porém comprou o Newton, de um garoto que os vendia na porta, dois imensos cravos de Petrópolis, que serviram para pôr na lapela de nossa pobre veste de formatura.

Getúlio Vargas, o presidente da República de então, presidiu a mesa. Ao sermos chamados, para recebermos o canudo de papel, ouvimos o clássico chavão na entrega do anel:

“Recebei esse anel simbólico. Lede e meditai nas obras da ciência. Podeis exercer e ensinar a Medicina”.

Era naquele momento, como dizia Oxel Nunth, o médico mais novo do Brasil.

De lá para cá, com esses 50 anos, hoje nos parece que uma dor profunda habita o nosso coração e um exército de recordações passa acelerado por nossa cabeça. Lutamos quase desesperadamente para construirmos uma obra; tantos os momentos de dúvidas, desilusões, inversão de perspectivas.

Não fomos submissos; antes um irrequieto, impondo a vontade férrea de vencer, buscando impacientemente deixar a marca de nossa presença em algo importante.

As recordações… essas… quando persistem, quando o tempo não se encarrega de destruí-las, são sempre agradáveis; mesmo as das dificuldades, das carências de meios diagnósticos ou cirúrgicos – da obstetrícia, implacável carrasco do médico da roça sem hospital.

Meus velhos pais, Antoninho Sebba e Da. Zaquia, naquela satisfação, naquele quase orgulho de ter conseguido formar em Medicina um filho. Proeza quase inédita em Catalão, razão da grande festa com a chegada do novo doutor, quando também era prefeito recém-nomeado o senhor Públio de Souza. Doutor Luiz de Alcântara saudou-me com um belo discurso. O chopp correu à larga e o quibe de da. Zaquia, auxiliada pela Luíza e sua mãe, a Mariana, que também era minha mãe preta, satisfazia os convidados, que por assim dizer eram toda a cidade de Catalão.

FOTO: O garoto Jardel, depois Jamil, Estrela( Cutucha), Genoveva ( Genita), Catarina, Elias( Liquinho), Altair( Tuim), Antônio (Totó), Maria José, José e Natividade. Sentados: Antônio Sebba e Zaquia Sebba. (entre parênteses os apelidos). Nesta foto falta um dos filhos, Nino, que havia falecido. 

Cinquenta anos é uma existência e nós hoje, no acaso da vida, relembramos a alegria que meus pais sentiram. E temos junto com a saudade a tristeza de não mais possuí-los.

Como dizia Álvaro Moreira nas suas lembranças… As amargas, não. Assim também nós, no dia de hoje, esqueçamos as tristes e amargas lembranças, como aquelas do Estado novo de Getúlio, que é apenas um mês mais jovem do que nós.

“É tempo de voltar… Para onde? Naturalmente, para o céu, onde os anjos, nossos irmãos remotos, ainda estão com as mesmas asas com que vieram. Nós perdemos as nossas nas estradas da vida. Guardamos somente as penas que sobraram”.

Esteve presente o doutor Newton Quintanilha, que com sua esposa, da. Luíza, além de nos prestigiar vem também dar brilho a essa festa que também é deles. Walter Santos, Ruy Pacheco, Celso Neves, companheiros das tertúlias estudantis, estão aí para essa rememoração do final de um curso que, apesar de muitos tropeços, muita quebradeira, foi levado ao fim. Agradeço também aos meus companheiros. (Texto lido por ocasião da comemoração dos cinquenta anos de formatura). 

Jamil Sebba faleceu aos 75 anos, em 19 de março de 1989

 

FONTE: Jornal A Voz do Sudeste – ANO IV– Nº 38 – Organização José Cândido – Catalão, 20 de abril à 05 de maio de 1988 – Página 8. 

FOTOS:  Jornal A Voz do Sudeste, Fundação Cultural Maria das Dores Campos, www.pictame.com @jardelsebba 

 

 

 

 

 

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