Memórias de um político catalano

Um dos maiores políticos catalanos quase não é lembrado nos discursos oficiais. Tanto que, seu nome é pouco conhecido pelo povo do município. Existe, na verdade, um silêncio em torno de Wagner Estelita Campos, apesar de ter sido o mentor do trajeto da BR-050 passando por Catalão e de outras grandes realizações.
Talvez o motivo da omissão de Wagner Estelita, no rol dos grandes políticos locais, esteja no distanciamento imposto pela sua vida pública, morando no Rio de Janeiro e Brasília ou, quem sabe, pela simplicidade e modéstia que sempre caracterizaram suas ações.
Wagner Estelita Campos foi responsável pela construção da BR-050, pela edificação da ponte sobre o rio Paranaíba na divisa Catalão-Araguari, pela criação dos colégios Dona Iayá, Rita Bretas, David Persicano, Abrahão André, Centro de Formação de Professores e Escola de Comércio em Catalão. Educação e transportes formavam sua agenda política, onde acreditava estar a base de um futuro melhor para as gerações vindouras.
O empenho de Wagner Estelita na busca de benefícios para Catalão foi tamanho que, o presidente Juscelino Kubitschek certa vez reconheceu: “Você fez mais por Catalão do que eu por Diamantina, minha terra natal”. Aliás, Estelita esteve sempre bem próximo do executivo federal. Quando Jânio Quadros renunciou, encontraram na mesa do presidente um decreto de nomeação do catalano para Ministro da Fazenda.
Wagner Estelita nasceu em Catalão, em 1910, filho de Frederico Campos e Julieta Prates Campos. Na certa recebeu o nome de batismo em homenagem ao grande compositor alemão, Wilhelm Richard Wagner, pois, seu pai era maestro e estudioso de música clássica. A sua mãe faleceu bem nova e ele, juntamente com os quatro irmãos, foi viver com a avó, Dona Arminda Prates, no Rio de Janeiro.
Entretanto, a sua infância e adolescência em Catalão se tornaram inesquecíveis. Ele próprio, em agosto de 1959, resumiu algumas passagens interessantes de sua vida no jornal Gazeta do Triângulo, de Araguari, por ocasião do centenário de Catalão.
Nas primeiras décadas do século passado, a única escola masculina de Catalão era o Sagrada Família, colégio edificado pelos padres agostinianos no largo da Velha Matriz. Foi lá que Wagner Estelita fez os seus primeiros estudos. Foi lá também que presenciou, estirados no salão, os corpos sem vida dos turmeiros assassinados no famoso massacre de 1916. Imagens fortes que nenhuma criança esquece, referendou.
Mas, era um menino como qualquer outro da época. No seu artigo relembrou as festas de São João no morrinho da Saudade, os banhos no poço do Zé Maria, as peladas de futebol, os circos que se apresentavam na cidade e comentou a iluminação a carbureto, na área urbana, que obrigava os moradores a carregar uma vela ou lanterna para sair à noite. Relembrou os saborosos pés-de-moleque na venda do João Cândido, os carnavais de limão de cheiro, os cinemas do Marcílio e do Álvaro, assim como as brigas entre os meninos do lado “de baixo” contra os meninos “de cima” dos trilhos da ferrovia. O traçado da estrada de ferro na zona urbana constituiu, por longo tempo, uma divisão social entre os moradores da velha Catalão.
Não esqueceu as bandas de música com seus antigos dobrados, suas primeiras namoradas, os bailes e os agradáveis pagodes em Ouvidor. Nessa época não existia ainda o coreto de alvenaria na praça central e o largo da Velha Matriz era o local de encontro e festejos da juventude catalana.
A verdade é que, Wagner Estelita Campos vivenciou uma época muito barulhenta nas primeiras décadas do século passado. Tinha muito foguete e tiroteio no ar, relatou. Foi testemunha de grandes foguetórios no largo da Matriz e dos concorridos leilões nas festas do município. Também presenciou o sepultamento do Major Isaac da Cunha, enterrado ao som de sucessivos tiros disparados pelo destacamento policial de Catalão. Isaac da Cunha havia sido morto em um bar no centro de Catalão. Por sinal, no início da década de 1920, outro assassinato movimentou a cidade. O intendente municipal, Salomão de Paiva, foi sepultado da mesma forma, com uma demorada salva de tiros, vestido com o uniforme azul e as armas da Guarda Nacional.
Essas lembranças, Wagner Estelita Campos levou para o Rio de Janeiro, onde foi estudar e residir com a sua avó. Em 1931 concluiu o curso de bacharel em Direito na antiga Universidade do Rio de Janeiro, retornando para a capital goiana onde foi nomeado Delegado Geral de Polícia e depois Diretor Geral de Assistência Pública do estado de Goiás. Como era bem moço para assumir tais cargos, passou a usar costeletas e cavanhaque, assumindo uma aparência mais velha.
Em seguida, Wagner Estelita prestou concurso público para o Dasp e viajou para os Estados Unidos aprimorando seus estudos. Retornando, dois anos depois, tornou-se diretor geral do Dasp e conferencista de administração pública, em âmbito nacional, publicando vários livros sobre o assunto. A sua fala convencia, não só pela sabedoria, mas pela eloquência e vibração.
Sempre elegante, no terno esmerado e caprichoso, Estelita conquistava o público com facilidade. Foi eleito deputado federal por Goiás, em 1955, elevando bem alto o nome de Catalão.
Quando presidente da Comissão de Orçamento da câmara dos deputados, indicou Catalão para sediar a “Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo” criando 6 grupos escolares e trinta escolas espalhadas pelo município. O seu grande parceiro, nessa realização, foi o prefeito de Catalão, Antonio Miguel Chaud.
Na mesma época, alterou e elaborou um novo traçado para a BR-050, passando por Catalão. Ainda conseguiu verba federal para construção da ponte sobre o rio Paranaíba que leva o seu nome. Uma simples viagem a Araguari, antes da ponte, era uma aventura. Paulo Hummel, no livro Eco do Passado, escreveu que “o caminho passava inicialmente pelo Porto Velho, acima de onde fica hoje a Barragem de Emborcação e, mais tarde, pelo Porto do Lalau, abaixo dela, e o mais comum (já na década de 50) era a passagem por Goiandira, Cumari e Anhanguera. Ultrapassava-se o rio Paranaíba sobre a ponte da ferrovia, subia-se a Serra da Bocaima (o que não era fácil para caminhões) e finalmente Araguari”.
Com a ponte e a implantação da BR-050 tudo mudou. Estelita levantou também recursos para criação da Escola de Comércio, Fundação Wagner Estelita Campos, além de diversos melhoramentos de âmbito social em Catalão.
O catalano, que tanto fez pela sua terra natal, faleceu em Brasília como ministro do TCU, em 1979, onde foi sepultado. Sua vida e seu trabalho por Catalão continuam a merecer destaque. Seus restos mortais deveriam ser trasladados para o nosso cemitério, a exemplo do que foi feito com Ricardo Paranhos por iniciativa da Academia Catalana de Letras.
Afinal, as memórias do catalano Wagner Estelita Campos demonstram o amor incontido que teve pela sua terra natal.
Por Luís Estevam
FOTO: Wagner Estelita Campos
FOTO: Nilo Margon, José Feliciano, Wagner Estelita Campos e Osark Vieira Leite
FOTO: Traçado da BR-050 de Brasília a São Paulo
FOTO: Ponte de ligação entre Goiás e Minas Gerais
FOTO: Placa na ponte entre Catalão e Araguari
FOTO: Artigo de Wagner Estelita Campos no jornal Gazeta do Triângulo
FOTO: Wagner Estelita Campos, quando jovem