O casal de festeiros da 98ª Festa em Louvor a Nossa Senhora do Rosário do Catalão – Arachid Damião e Aparecida Ferreira Damião

Arachid Damião e Aparecida Ferreira Damião foram casados por mais de seis décadas e juntos criaram os filhos Jorge Luiz, Carlos Alberto, Luiz Alberto, Valéria Aparecida (in memoriam) e Roberto Antônio. Festeiros da 98ª Festa em Louvor a Nossa Senhora do Rosário, realizada no ano de 1974, Aparecida conta que fez a festa para pagar uma graça alcançada à sobrinha Célia, que na época estava muito doente e sem diagnósticos. “No dia que o festeiro Jorge Lalau veio nos trazer a coroa, pedi que sua esposa, Camélia, entregasse o símbolo da festa para minha sobrinha, já que a festa seria para pagar a promessa feita em sua cura”. Aparecida lembra ter sido uma festa trabalhosa, mas com a ajuda dos amigos tudo saiu maravilhoso. “O trabalho era quase 24 horas/dia, minha casa era um entra e sai daqueles, mas com a ajuda do casal de amigos Antônio Ferreira e Zaira Rosa realizamos uma festa maravilhosa. Em meu coração, trago boas recordações daquele outubro de 1974”.

FOTO: Aparecida, Valéria e Arachid

FOTO: Aparecida, o neto Jorge H. Damião e Arachid

FOTO: Camélia entrega a Coroa para Célia

O Blog da Maysa Abrão descobriu através do escritor, Carlos Rodrigues Brandão, que naquele ano, havia cinco ternos de Congos da cidade, dois de Moçambiques, um de Catupé e um de Vilão. Da cidade de Uberlândia veio um terno de Congo e de Goiânia vieram outros dois ternos de Congos e um de Moçambique.

Segundo dados do presidente da Irmandade, Antônio Simplício, em 1974 eram os seguintes ternos da Congada de Catalão: Terno do Prego, Terno do Pio Gomes, Ternos da Liga, Terno do Zé do Gordo e Terno do João do Nego, entre os Congos. Terno do Zezito e Terno do Lino entre os Moçambiques. Terno do João Ranhão e Terno do Guinho entre os Catupés-cacunda e, finalmente, Terno do Roberto, um grupo de Vilão.

Os ternos possuem em geral nomes dos seus comandantes atuais. Entre os congos, no entanto: um possui nome em homenagem a um velho e inesquecível capitão de terno, Pio Gomes; outro, o nome da entidade a que pertencem vários de seus membros (Liga Jesus Maria José), e o outro, o mais conhecido atualmente, adotou o simples apelido pelo qual todos conhecem o seu criador e capitão – “Prego”.

Outro fato importante que Brandão relata sobre a Festa de 1974 foi que nenhum dos ternos de moçambiques se apresentou na tarde de sábado em frente à casa do presidente da Irmandade, Antônio Simplício. Ele deveria receber a coroa de outro e seria a “sua guarda” até a casa dos festeiros. Nenhum deles compareceu a tempo e a coroa foi levada, durante parte do trajeto, por um dos ternos de congos. Mas, tão logo chegou ao pequeno cortejo o terno principal de moçambiques, a coroa foi entregue a ele. Os capitães dos ternos são unânimes em defender que suas atuações são regidas por princípios tradicionais, rígidos e indiscutíveis. Assim, sem a presença de pelo menos um dos ternos de moçambiques não pode haver cortejo, “porque o moçambique é a guarda da coroa e dos reis”.

Brandão conta que em 1974, a cerimônia do café da manhã de domingo, 13 de outubro, foi muito espontânea e demorada. Chegou de Uberlândia o “Terno Sainha”, um grupo de congos notável pela riqueza de vestes (inclusive a pequena saia que lhes dá o nome) e de ritmos, comparados com os dos ternos de Catalão. Todos os ternos de Congos presentes no Centro Comunitário na manhã de domingo fizeram questão de prestar homenagens ao “Terno Sainha”. Seus “brincadores” cantaram e dançaram em frente ao terno visitante. Depois os capitães se abraçaram efusivamente, o mesmo acontecendo entre suplente, em dois ou três casos. Ao final, falou o capitão do terno de Uberlândia: “Meus amigos, to aqui representando o presidente da Irmandade de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. Nós devemos a honra de estar aqui em Catalão, ao Seo Antônio [Simplício] que nos deu essa honra de nós vir aqui pelo convite dele; eu vim aqui pelo convite dele. Então o terno saiu de Uberlândia para representar a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário aqui em Catalão, em homenagem ao Seo Antônio que nos convidou. Eu vim aqui, estive com ele e nós temos o prazer de fazer pra ele o que nós puder fazer, muito obrigado!” Um outro figurante do terno gritou: “Antão um toque de caixa em louvo de nosso presidente!” Todos tocaram as suas caixas enquanto o capitão visitante e o presidente se abraçavam.

O escritor relata ainda que 1974 foi o ano de eleições políticas no país. O prefeito de Catalão havia anunciado com insistência um “concurso” entre os ternos da Festa. Havia uma ordem partida da Prefeitura no sentido de que os ternos da Congada estivessem presentes na Avenida João XXIII às 15 horas do domingo. Pouco depois da hora marcada lá estiveram o prefeito e alguns auxiliares. Compareceram também um terno de congo de Goiânia e outro de moçambique. Nenhum dos outros ternos compareceu, assim como não foram ao local sem Simplício, nem Gabriel, o general da Congada. O prefeito procurou explicar o acontecido dizendo que “o pessoal dos congos são uma gente descontrolada”. A Prefeitura tinha grande interesse em ajudar os ternos e eles não respondiam com a sua colaboração, segundo o seu próprio juízo.

Brandão registrou naquele ano, partes do discurso de Frei João na frente da casa do novo festeiro: “Todos foram ótimas pessoas. Os congos, os dançadores, a Irmandade foram ótimos. E os festeiros, nós tínhamos a certeza que seriam esforçados. Até eu achei [que foram] esforçados demais. Eles não dormiram, só trabalharam.” [Grito de um festeiro: “Viva o padre João!”]. … “Todos têm sido bons festeiros. Mas todos sabem que nós perdemos um grande amigo da Irmandade, o sr. Irineu, Irineu dos Reis. Então no momento, uma Ave Maria juntos” [todos rezam a Ave Maria]. Depois das orações há vários vivas, os mais entusiasmados de toda a Festa.

 

Na obra literária “A Festa do Santo de Preto”, o autor Carlos Rodrigues Brandão, nos revela tudo que vivenciou na 98º Festa em Louvor a Nossa Senhora do Rosário de Catalão, Goiás.

O Blog da Maysa Abrão transcreveu o capítulo 2, onde o autor relata o “Processo Ritual”, ou seja, “O Caminho dos Congos” no ano de 1974.

 

Sábado: o Dia do Mastro

Na tarde de sábado os ensaios dos ternos devem estar concluídos. Devem também ter sido revisados os instrumentos de música, principalmente as caixas e os tambores menores. Finalmente, devem estar prontas e passadas as vestimentas dos “brincadores” congos.

Na tarde de sábado alguns ternos de congos devem apresentar-se, ainda sem as fardas, em frente à casa do presidente da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. É o primeiro momento em que os ternos se reúnem em uma Festa de mais um ano.

No ano de 1974, três dos cinco ternos locais de congos apresentaram-se na casa de Antônio Simplício, o presidente. Cada um deles, ao chegar, fez evoluções diante da casa e de seus donos. O presidente da Irmandade é um dos principais agentes da Congada porque circula entre as áreas de controle da Igreja (como presidente de uma instituição para-eclesiástica) e de controle da Congada (porque a Irmandade é, hoje em dia, a instância de maior poder sobre as determinações da participação dos negros na Festa). Ele não se inclui como um figurante (não dança, não canta e não desfila), mas é, a cada ano, o primeiro a receber homenagens dos congos, através de seus rituais.

Trazida pelas mãos de uma das filhas de Antônio Simplício, a coroa do Rosário foi entregue por ele a um dos capitães de congo, porque em 1974 não havia comparecido à cerimônia nenhum dos ternos de moçambiques. Os ternos desceram juntos em direção à casa do casal de festeiros. Havendo encontrado no caminho um dos ternos de moçambiqueiros, entregaram ao seu capitão a coroa. Juntos chegaram os quatro ternos à casa dos festeiros. Repetem-se as evoluções e a coroa é entregue à esposa do festeiro do ano. Mas, entre as danças dos ternos e a entrega da coroa, há uma série de procedimentos cerimoniais em que se evidencia o caráter solene do acontecimento. Depois de dançar em frente aos festeiros, é costume o capitão do terno receber cumprimentos do homem (em geral um marido de uma esposa também festeira). Depois das apresentações rápidas de todos os ternos, o capitão de um deles comanda uma “salva de vivas” do tipo “Viva o nosso festeiro!” “Viva o nosso capitão!” “Viva São Benedito!” “Viva todos meus irmãos!”

O terno de moçambiques traz a coroa e não faz evoluções. Seu capitão não é cumprimentado pelo festeiro tal como os dos congos. Ele traz um prato com a pequena coroa de ouro maciço em suas mãos. O casal de festeiros se coloca de joelhos (em 1974 havia também uma outra festeira, de quem se falará mais adiante). A “bandeira da Irmandade” é passada sobre os dois de tal modo que a sua ponta lhes roce a cabeça. Essa mesma parte da bandeira é beijada pelos festeiros. Já de pé, a cora lhes é apresentada pelo capitão de moçambiques. O festeiro toma-a entre suas mãos, segurando o prato com pétalas de flores sobre o qual repousa. Ele a beija e passa à esposa. Ela faz o mesmo e passa à outra festeira, que repete os mesmos gestos.

A coroa volta às mãos da esposa do festeiro. Organiza-se a “guarda da coroa”: o capitão à frente, dois moçambiqueiros com suas espadas cruzadas e, logo depois, os festeiros, cercados e sucedidos de outros “soldados da guarda”. Adiante e atrás da “guarda da coroa” seguem os ternos de congos. O cortejo, entre toques e passos de marcha, vai da casa dos festeiros para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário é o lugar de concentração dos rituais da área da Igreja e é também o local de encontro entre agentes e rituais desta área e da área da Congada.

Os ternos não “recolhem”, no cortejo de sábado, os reis do Congo, também conhecidos como “reis da Irmandade”. A presença da família de reis e de príncipes será deixada para os cortejos do domingo da Festa. Se, por acaso, os integrantes da família real desejam assistir á última noite de novena e ao levantamento do mastro, eles irão ao lugar por sua própria conta e fora de qualquer situação ritual. A diferença é explicada por um dos capitães de congo: “No sábado, a levantação do mastro, o reinado não vem [a família real não entra no cortejo]. Quer dizer que vem, mas não vem no vestuário deles”.

Depois da última “reza de novena”, o mastro com a bandeira de Nossa Senhora do Rosário é levantado em frente à sua igreja.

Os ternos, que se incorporarem, pelo caminho, ao cortejo com os festeiros e a coroa, chegam à frente da igreja e, todos eles juntos, somam 16 grupos da Congada de Catalão. A bandeira de Nossa Senhora do Rosário é trazida por um grupo de quatro moças da cidade. Ela é entregue a uma guarde de moçambiques, a mesma que trouxe a coroa. Um dos moçambiqueiros coloca no mastro a bandeira. O mastro foi trazido por um conjunto de homens ligados ao “mordomo do mastro”. Eles são, em maioria, brancos e sem relações diretas com a Congada.

Antes mesmo de o mastro ser levantado, alguns ternos fazem evoluções no apertado espaço entre ele e a multidão que agora se aglomera por quase toda a praça. Durante o “levantamento do mastro” há uma “queima de fogos” que se acompanha do soar dos apitos de todos os capitães de ternos, dos toques de todos os tambores e caixas e de alguns vivas entusiasmados: “Viva São Benedito!” “Viva Nossa Senhora do Rosário!” “Viva o Rei do Congado!” [que não estava presente em 1974, nem em 1975]; “Viva o povo de Catalão!” “Viva toda a Irmandade do Rosário!”

Erguida a bandeira, cada terno toca e evolui “no pé do mastro”. Não há outro momento tão carregado de alegria em toda a Festa, de músicas e de danças e cantos. Em certos momentos podem ser vistos, em uma mesma praça, de 8 a 12 ternos tocando e dançando.

O terno de moçambiques que fez a “guarda da coroa” é o mesmo que leva os festeiros de volta às suas casas. Alguns “brincadores” ficam por perto da praça, em geral junto às barracas de comércio, mas nunca na barraca da Festa, local onde não foi possível encontrar um só integrante da Congada durante os dias de festejos, tanto em 1974, quanto em 1975. Um ou outro terno fará, ainda no sábado, uma ou várias visitas. Mas eles estão “sem a farda” ainda, e saberão dar preferência ao domingo e à segunda-feira para as suas visitações rituais.

 

Domingo: o Dia da Festa

No sábado os ternos se reúnem só nos momentos do cortejo da coroa e durante o levantamento do mastro de NSR. Na segunda-feira estarão quase todo o tempo separados, fazendo as suas visitas. Só os encontraremos juntos no cortejo da “entrega da coroa”. Mas no “domingo da Festa” eles participam de cerimônias corporadas, durante um boa parte do dia.

Por volta de 5 horas da madrugada, é costume que os primeiros “ternos com vestimenta” já estejam nas ruas “malhando”. Os “brincadores” são reunidos, ainda sob luzes acesas, nas casas e nos quintais dos capitães de ternos e de lá saem, pelas ruas, para a casa dos festeiros (como acontecia tradicionalmente) ou para o Centro Comunitário da Paróquia de São Francisco (como tem ocorrido nos últimos anos).

Um terno de moçambiques passou pela casa dos reis do Congado e os escoltou também ao mesmo Centro Comunitário. O par real, agora com roupas “do reinado”, entra no cortejo acompanhado de seus quatro filhos, vestidos como “príncipes e princesas”. Todos levam às costas capas de seda, e o par de reis tem sobre as cabeças coroas de papel, simples imitações rústicas da que os festeiros conduzem em suas mãos.

No Centro Comunitário, os ternos se reúnem e, sob as ordens do presidente da Irmandade, os “brincadores” tomam café juntos. Muitas vezes é às portas do Centro Comunitário que os “ternos de fora” (vindos de Goiânia e de outras cidades) encontram-se pela primeira vez. A ocasião costuma tornar-se, então, um inesperado momento de trocas de homenagens e boasvindas, tanto entre ternos e seus capitães entre si, quanto entre os “ternos de fora” e os agentes da Congada e/ou os reis do Congo.

Deixando a escolta de moçambiques junto ao par real, os ternos de congos descem, primeiro à casa do par de festeiros, depois para a Igreja do Rosário. Mais uma vez os festeiros conduzem a coroa e se incorporam ao cortejo de forma semelhante à do sábado. O cortejo chega à porta da Igreja por volta de 9 horas da manhã, e apenas os integrantes dos ternos e os reis e festeiros têm ingresso para a missa da Irmandade. Quando o cortejo chega ao local da missa, o presidente da Irmandade, o padre e, eventualmente, mais um ou outro membros da “diretoria” já chegaram e se ocuparam das providências imediatas para o começo da missa.

São os festeiros, os membros da diretoria da Irmandade e o general dos ternos os que ocupam as únicas cadeiras especialmente colocadas entre o altar e os bancos comuns da igreja. Embora teoricamente os reis do Congo tenham lugares de honra, em 1974 eles encontraram ocupadas as cadeiras especiais e todos os bancos, e assistiram, de pé, a missa, acompanhados do seu pequeno séqüito de filhos, por detrás das cadeiras dos festeiros.

Como um rito litúrgico da Igreja, a missa dividiu-se entre cânticos muito novos divulgados após o Concílio Vaticano Segundo, e algumas canções tradicionais na cidade, entoadas por alguns congos com o acompanhamento discreto dos toques de uma só caixa. Pessoas da cidade lembram que esta mesma “missa da Irmandade” já foi uma cerimônia muito mais próxima da Congada. Dizem que o que restou foi uma mistura entre uma crescente atuação cerimonial dos agentes da Igreja (padre, ajudantes, cursilhistas, etc.) e uma decadente atuação cerimonial dos “brincadores”, muito embora sejam os agentes da Congada a quase totalidade dos presentes.

Terminada a missa os ternos saem da igreja e nem todos dançam e tocam em frente a ela. Não há sempre um cortejo de volta que leva os festeiros, mas pelo menos alguns ternos retornam em cortejo ao Centro Comunitário acompanhando a família real. É tradição que os gastos e as providências do almoço corram por conta da família dos festeiros, como de fato ocorreu em 1974 e em 1975.

Entre o almoço e a procissão de Nossa Senhora do Rosário, no final da tarde, os ternos encontram tempo para fazerem as suas visitas. As visitas são quase tudo o que os congos fazem quando não estão os vários ternos atuando juntos. Embora menos formalizadas do que as dos cortejos com a coroa, as visitas obedecem a normas e a seqüências muito tradicionais de conduta ritual.

As prescrições começam pela escolha das casas visitadas, tarefa de que participam todos, com direito iguais de indicar nomes, mas cuja decisão final compete ao capitão do terno. Os congos vão dançar nas casas: a) de parentes e amigos dos “brincadores”; b) de antigos capitães ou figurantes do terno; c) de pessoas atual ou anteriormente ligadas à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário; d) de familiares de “brincadores” já falecidos; e) de pessoas da cidade a quem o terno pretende homenagear (em geral brancos e “pessoas da alta”); f) de pessoas que pedem ao terno a sua visita, inclusive para efeitos de pagamento de promessas.

Entre uma casa e outra, os ternos “marcham” e “malham” pelas ruas. Essas marchas são passos de desfile-e-dança acompanhados dos toques de suas caixas e tambores e dos seus cantos, “cantoria”, como dizem alguns. Entre os ternos de maior tradição, aqueles cujos capitães obedecem com maior rigor as normas mais antigas de rituais da Congada, são observadas as seguintes condutas: a) atuação do desfile durante todo o trajeto entre as casas, por mais distantes que estejam uma da outra, ou seja, toques, cantorias e passos de marcha e dança sem interrupção; b) modificações de coreografia com entrecruzamento das duas alas de dançantes, sempre que o terno passe por algum cruzamento de ruas; c) alteração de posições na marcha quando o terno passa sobre um cruzamento com a linha da estrada de ferro (os dançantes cruzam a linha do trem de costas).

Na rua, diante da casa de um anfitrião homenageado, o terno faz algumas evoluções. O proprietário convida o capitão e seus suplentes para entrarem, oferecendo-lhes comida e bebida. Ou então, dependendo dos seus recursos, convida todo o terno para “uma mesada de doce e salgado”. Quando o capitão recebe uma garrafa de bebida, o que é muito freqüente, pode oferecê-la, em copos, aos seus comandados, ou pode guardá-la para “só depois da Festa”. Veremos mais adiante que as decisões dos capitães sobre formas de uso de bebida alcoólica durante os momentos de visitas estão entre os fatores ideológicos de divisão de modos de participação na Congada e na Festa. Enquanto há tempo os ternos “fazem visitas” e a regra é a de que, entre as escolhidas, casa alguma fique sem a sua “visita do terno”.

No fim da tarde os ternos se reúnem uma vez mais na praça da Igreja do Rosário. Junto com pessoas da cidade não participantes da Congada, os ternos participam da procissão de Nossa Senhora do Rosário. Tal como já foi dito, a conduta dos “brincadores”, embora ainda fardados, é “de procissão” (acompanhamento em silêncio ou cantando “música de igreja”, uns atrás dos outros, a não ser no caso dos últimos que formam uma pequena multidão de fecho da procissão) e não “de Congada”.

A imagem de Nossa Senhora é levada sobre o seu andor por pessoas brancas da cidade e, via de regra, não participantes da Irmandade. São os padres os que controlam diretamente a conduta dos fiéis durante toda a procissão.

A procissão sai da igreja e volta a ela e, quando termina, os ternos se dispersam e retornam às suas visitações, depois de terem ido jantar no Centro Comunitário. Comidos, cansados e alegres, os congos festam noite adentro.

 

Segunda: o Dia da Entrega da Coroa

Não há cerimônias rituais corporadas na segunda-feira, até o momento do cortejo de “entrega da coroa”. Durante todo o dia os ternos continuam a fazer suas inúmeras visitações.

Os ternos se reúnem outra vez no almoço, ainda no Centro Comunitário. De lá eles se reorganizam para irem em conjunto à casa dos festeiros atuais. Novamente fazem evoluções simples diante da casa dos festeiros. A esposa dele entre em casa e retorna dela como prato da coroa de ouro nas mãos. O casal e mais a festeira colocam-se incorporados ao cortejo, tal como antes, cercados da guarde de moçambiques. Um dos ternos de moçambique, ou um pequeno grupo de ternos, inclusive de congos, vai à casa da família real e os incorpora ao cortejo, indo ela atrás dos festeiros.

O cortejo desce em direção à casa do “novo festeiro”, escolhido uma semana antes, em geral pelos agentes da Igreja. Na rua da casas do novo festeiro os ternos fazem algumas evoluções e, depois delas, a esposa do novo festeiro recebe a coroa das mãos da esposa do festeiro atual. Antes de ser levada para o interior da casa, a coroa é beijada pelos festeiros, por pessoas da guarda de moçambiques e por mais alguns participantes da cerimônia. Esta é uma ocasião muito festiva e, uma vez mais, repetem-se gritos de “viva”. Não é necessário, mas tem se tornado uma tradição o uso do momento para alguns discursos.

Todos os presentes, na verdade uma pequena multidão, são convidados a entrar na casa dos novos festeiros. Há fartura de comida e bebida. Entre os presentes, a família real é servida pela esposa do festeiro, mas ela está isolada em uma mesa a um canto da sala e não atrai a atenção dos outros participantes.

Enquanto houver comida e bebida todos estarão reunidos. Os participantes comuns voltam às suas casas ou se dispersam entre as barracas de comércio. Os “brincadores” voltam ao Centro Comunitário para o jantar e depois continuam noite adentro as suas visitas e a sua festa de negros. A entrega da coroa se considera como o último ritual da Festa.

Procuremos destacar a “parte da Congada” de todo o conjunto de situações e participantes da Festa.

 

 

Pesquisa e produção; Maysa Abrão ano 2015, Revista Portal VIP, direitos reservados.

FOTOS: Arquivo pessoal dos festeiros; Annibal Margon; Livro: A Festa do Santo de Preto – Carlos Rodrigues Brandão.